Dois escritores
Chamam-se Ramón Lobo e Enric González.
Exercem de jornalistas e são-no de facto, do melhor que se pode encontrar nas
páginas de um jornal, mas eu prefiro vê-los como escritores, não porque
considere hierarquizáveis as duas profissões, mas porque na leitura do que
escrevem colho emoções e defino sentimentos que, ao menos em princípio, mais
naturalmente são mostráveis numa obra literária de qualidade. A Ramón Lobo já
levo alguns anos lendo-o, Enric González é um descobrimento recente. Como correspondente
de guerra, Ramón tem a superior qualidade de pôr cada palavra, em sua exacta
medida expressiva, sem retórica nem deslizamentos sensacionalistas, ao serviço
do que vê, ouve e sente. Parece óbvio, mas não o é tanto, só o permitiria um
domínio excepcionalmente seguro da linguagem a utilizar, e ele tem-no. De Enric
González não era leitor. Via as suas colunas no El País, mas a minha curiosidade
não era bastante forte para me levar a integrar os seus escritos na minha
leitura habitual. Até ao dia em que me veio às mãos o seu livro Historias
de Nueva York. A palavra deslumbramento não é exagerada. Livros sobre
cidades são quase tantos como as estrelas no céu, mas, que eu conheça, nenhum o
é como este. Julgava eu que conhecia satisfatoriamente Manhattan e os seus
arredores, mas a dimensão do meu engano tornou-se-me clara logo às primeiras
páginas do livro. Poucas leituras me deram tanto prazer nestes últimos anos.
Tome-se este breve texto como uma homenagem e uma manifestação de gratidão a
dois excepcionais jornalistas que são, ao mesmo tempo, dois notáveis
escritores.
José Saramago, O CADERNO
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