Yemen
À escritora
colombiana Laura Restrepo,
nossa amiga pelo coração e pelas ideias, encarregou-a Médicos sem
Fronteiras que viajasse ao Yemen
para depois contar o que lá tivesse visto, ouvido e sentido. O relato dessa
experiência foi agora publicado no El
País semanal, uma reportagem impressionante como, em princípio,
qualquer outra que se faça em África, mas que a arte de narrar de Laura, ao
recusar, como é próprio da sua natureza de escritora, os efeitos emotivos de
uma escrita que intencionalmente apelasse à sensibilidade do leitor, prefere
expressar por uma obstinada procura de realidade directa ao alcance de poucos.
As descrições da chegada dos barcos que vêm da Somália, sobrecarregados
de fugitivos que esperam encontrar no Yemen a solução das dificuldades que os
empurraram para o mar, são de uma rara eficácia informativa. Vêm neles os
homens, as mulheres e as crianças do costume, mas Laura Restrepo não tarda a
mostrar-nos como é possível falar de homens sem estar obrigado a falar das
mulheres e das crianças que com eles vieram, mas que das crianças seria impossível
falar se não se falasse também, e sobretudo, das mães que os trazem, às vezes
ainda na barriga. As situações em que essas mulheres vão encontrar-se depois de
desembarcarem no Yemen constituem um catálogo completo das humilhações morais e
físicas a que estão sujeitas só pelo facto de terem nascido mulheres. Por trás
de cada palavra escrita por Laura há lágrimas, gemidos e gritos que seriam
capazes de nos tirar o sono se a nossa flexível consciência não se tivesse
acomodado à ideia de que o mundo vai aonde querem os que o dominam e que para
nós já será bastante cultivar o nosso quintal o melhor que soubermos, sem que
tenhamos de preocupar-nos com o que se passa do outro lado do muro. Esta, sim,
é a mais velha história do mundo.
José Saramago, O CADERNO
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