domingo, 12 de agosto de 2012

Coimbra, 12 de Agosto de 1980

Setenta e três anos. E já quase nem reajo à conta. Sei que é grande e aterradora, mas como sei que há vulcões e terramotos. Dantes, a data de hoje era sempre um toque a rebate. Todo eu ficava em pânico com menos alguns meses de existência. Os muitos e incessantes projectos que fazia pressupunham-me longevo, não admitiam limitações na minha duração. Agora, que não posso alimentar ilusões de nenhuma ordem, porque qualquer optimismo seria pueril, os aniversários parecem-me bónus da vida. Começo a sentir a impressão de que parei no tempo, de que marco passo em vez de caminhar, de que fiz o que tinha a fazer e tudo o que vier ainda à rede é por acréscimo. Olho o futuro, e vejo o passado. E como ele foi aventuroso e rico de mil experiências, com acenos dos quatro pontos cardeais do mundo e todas as apetências da curiosidade e da compreensão postas à prova, quando chega este dia, já nem o bendigo nem o maldigo. Remeto-me a um pragmatismo irónico e salutar: não dá esperança, mas é um bom pretexto para ter saudades…
Miguel Torga

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