sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Miguel Torga – DIÁRIO (XIII)


S. Martinho de Anta, 26 de Agosto de 1979 – Domingo. Dez horas. O sino da torre começa a chamar os fiéis e, como que num reflexo condicionado ao nível de toda a aldeia, as casas vão-se esvaziando. De blusa lavada e camisa passada, mulheres e homens sobem a rua, atravessam o largo e perdem-se em direcção à igreja, numa rotina religiosa paralela às outras, de semear e colher. O mesmo Deus adorado com as mesmas orações vidas inteiras, sem a mínima inquietação, sem o mínimo estremecimento de dúvida. A fé, alheia a qualquer metafísica, pragmática, saudavelmente natural e optimista. Quando muito, um argumento subentendido, que já nem é preciso formular: se a vida eterna é melhor do que esta, vale a pena acreditar nela. E basta, embora pareça pouco. Em matéria assim melindrosa, nem Pascal foi muito mais longe...
p. 110

Sem comentários:

Enviar um comentário