segunda-feira, 1 de julho de 2013

O VOO DO MOSCARDO

 A mil e poucos metros de minha casa há uma pequena mas graciosa ponte romana encastoada em verdura. No Verão, gosto de ir até lá gozar a fresca e o silêncio. Raramente aparece por ali alguém. Apenas o gorjeio dos pássaros, a cantilena da água, o frufru das folhas das árvores e das asas das libélulas. Um local para misantropos ou místicos. Como tenho uma boa dose duns e doutros, gosto de ir até lá. Assim fiz esta manhã.
Estava eu de cócoras na relva e olhos no céu, abismado nas maravilhas do Criador, comecei a ouvir uma ária familiar. «Tate! – disse para comigo. Isto é o Voo do Moscardo… Quem será o virtuoso?»
E foi então que localizei, mesmo ali a dois metros do nariz, esta coisa por mim nunca antes vista: um moscão muito colorido e quieto, suspenso por um fio invisível. Quieto é como quem diz. Para manter a levitação, dava às asas com tal velocidade que nem se viam. Lembrava um colibri a chupar uma flor. De vez em quando arremessava-se na horizontal, num movimento doido de ioió na mão duma criança, mas voltava sempre ao exacto ponto de partida. Era ele o violino: vam-vam-vom-vom-vím-vím-vam… Estive muito tempo fito nele, a tentar descobrir o sentido daquele bailado. Nupcial? Embriaguês? Simples divertimento?
Nisto, passou um grilo com a sua caixinha de música às costas. Interpelei-o:
– Estás a ouvir?
– Coitado! Entrou um dia, por engano, num teatro onde uma orquestra de violinos interpretava o Voo do Moscardo e ficou assim…
– Não imita mal.
– Desculpa. Rimsky-Korsakov é que o imitou a ele.
– Tens a certeza de que é Rimsky-Korsakov o autor do Voo do Moscardo?
– Se não é ele, é outro russo qualquer. De música erudita percebo pouco. Sou apenas tocador de sanfona.
– Por acaso gosto de te ouvir. Pena seres tão estrídulo e monótono. Devias variar um pouco a melodia, como fazem os pássaros.
– Ai, não me fales em pássaros, que fico sem pinga de sangue…
– Porquê?
– São insectívoros! E nós os grilos também somos insectos.
– Perdoa. Não me lembrava disso. Já agora, toca lá uma sonata para eu ouvir.
O grilo começou a sanfonar. De repente, num poço contíguo à ponte, uma rã emergiu a cabeça e pôs-se a grasnar forte e mala. De imediato, de todos os cantos emergiram outras de guelras enfunadas: gré, grí, gré, grá, grá, a ver qual berrava mais alto.
O grilo emudeceu.
– Vais-te embora? – perguntei.
– Vou.
– Porquê?
– Abriu o parlamento… e eu não posso com esses parlapatões…
O moscardo resistia ao berratório dos parlamentares: vam… vom… vim… vam…
Maravilhas destas só na minha terra.

Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS II – Crónicas de Barroso (p. 68 e s.)

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