Carvoeiro, 5 de Julho de 1973 –
Chego ao fim da vida sem saber ler correctamente à primeira vista o mais
simples trecho do livro da natureza. Abre-se um panorama diante de mim, e o
mais que consigo imediatamente é soletrá-lo. Só depois de muitas tentativas é
que os olhos se habilitam a deslizar por ele sem tropeçar. Talvez porque
entretanto entrou em cena um outro poder de apreensão: a força imperiosa da
palavra. Um poeta vive em desequilíbrio enquanto a magia da letra não dá
cobertura à lição dos sentidos. É a óptica do poema que organiza a paleta das
percepções. Por isso, apenas quando começa a cantar começa a entender. Daí,
certamente, essa minha lenta aprendizagem visual, e também o facto de nenhuma
paisagem me cansar. Nunca consigo esgotá-la. O espanto renasce cada vez que um
novo verso lhe revela uma nova aparência…
Miguel Torga
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