domingo, 7 de julho de 2013

7 – Julho (sábado). [1990]

Gostava tanto de poder escrever outra vez o Para Sempre. Não digo escrever outro, mas sim escrever o mesmo. Poder revisitar a minha juventude e o que foi nela agora a sua imagem terna. Não sei se este é o meu melhor romance – creio que não. Mas é o que mais amo. O que equilibra a minha emoção afectiva com discrição que a não deixa transbordar. O que de longe mais me encanta. E entrelaçado ao encantamento, há o grave problema de hoje que é o da «palavra». E há o riso. Gostaria de poder inventar o livro outra vez. Releio aqui ou ali alguns trechos e o encantamento abre-se loga de novo em mim. Nunca mais.
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Sinto-me doente. A cabeça e os seus zumbidos. Um enorme mal-estar. A ameaça de que o cérebro me estoire com um derrame. Estou bem só. On mourra seul.
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De Coimbra telefonam-me, da parte do Presidente, a perguntarem se recebi um convite para estar lá hoje a um jantar que ele oferece a «personalidades». Não recebi. E foi bom não ter recebido. Como iria aguentar-me em sociabilidade, ameaçado como me sinto de me desmoronar?
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O Lúcio foi à praia de tarde. Tem o carro que a mãe lhe deu, é para o usar. E está calor. E está farto de estudar. E há a alegria marítima que lhe está prometida. E está vivo.
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Que semana horrível aí me vem. Almoço com os Llansois (Gabriela e Augusto) que vêm gentilmente para me fazerem um pouco de companhia. De tarde, ida à Bertrand para acerto de contas a fazer ao cimo do calvário do Chiado. Na quarta, almoço com as amigas e colegas e jantar no Palácio de Belém para despedida do embaixador do Brasil, o Alberto da Costa e Silva. Na terça há qualquer coisa também, mas não consigo lembrar-me o que é. E há logo na terça seguinte o lançamento do livro da Rosa Maria. E durante todo este tempo há a minha saúde de miséria com a minha cabeça desvairada de guinchos e a minha aflição até ao limite do rebentar. Como a vida me é difícil. Sem a harmonia disponível para traçar uma linha. Estas que traço o demonstram.


Vergílio Ferreira

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