quinta-feira, 4 de julho de 2013

4 – Julho (quarta). [1990]

Ontem e hoje a rever a tradução francesa de Até ao Fim. Como me senti mal no livro, exceptuadas algumas cenas. Estará falhado? Entretanto saíram ontem dois artigos sobre o Em Nome da Terra – da Silvina Rodrigues Lopes (no Público) e da Maria Joaquina Nobre Júlio (no JL). Gostei muito. O da Joaquina já o conhecia. Mas reli-o e achei-o de novo muito bom. Faltou-lhe apenas propor uma explicação para a minha quase obsessão dos «velhos». E mostra-se perplexa sobre o «papel» do Salus na economia do livro. Tenho a minha explicação mas não a dou porque pode estar errada. De início pensei num «tema». Depois noutro. Depois lembrei-me de juntar os dois. Terão ficado mal encaixados? De todo o modo o livro tem sido muito bem aceite. E isso ajuda-me, ao folheá-lo, a aceitá-lo também.
E hoje tenho aí um francês a cuja visita e razão dela me tinha já comprometido, mas não sei agora qual é. Queria era o meu equilíbrio em ordem para poder cortar com tudo e ter apenas o meu tédio. Cansado. E tudo é pretexto bom para o estar. Ontem por exemplo fui ao dentista remendar os buracos do sorriso. Pôs-me na boca um trambolho com dentes desalinhados e é extremamente difícil pô-los a trabalhar à mesa. Então retirei o trambolho e comi com os outros restantes e que lá se iam despachando. Triste. Sucumbido. O único remédio plausível, para isso quando a chatice não exagera, é partir pela estrada real da memória-evocação. Há lá imagens ternas. E uma ainda mais por sobre essas.
*
O Aníbal Alcino (terei falado nisso?) enviou-me um livro giríssimo das suas memórias alentejanas. Conheci-o e à sua pintura em Viana do Alentejo, onde era professor e onde estivera também com as mesmas funções o Júlio Resende. Quanto me ri e enterneci. Ele é um belo pintor um pouco à margem de escolas e currículo nas artes plásticas. O seu toque de autenticidade ingénua produziu uma pintura que então me excitava e de que não conheço a continuação. Fez um retrato da Regina cheio de cor que tenho aqui. Nós íamos a Viana visitá-lo. Mas havia lá uma taberna com um chouriço muito propício a dois copos e eu logo encaminhava os meus passos para lá. E ele enfurecia-se:
– Mas então vens-me visitar a mim ou ao taberneiro?
Ia visitar um e outro para benefício do corpo e do espírito com o vinho a fazer ponte de um ao outro… Há quarenta anos. É assim.

Vergílio Ferreira

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