sábado, 6 de julho de 2013

6 de Julho [1966]

Hoje, ao ouvir alguns amigos enaltecerem – por contágio literário – os touros de morte, senti-me de súbito culpado de não gostar de touradas… Ou talvez, com mais precisão: de não saber se os meus sentimentos de repúdio não passavam de herança herdada do século XIX (do humanitário e estúpido século XIX!) quando os intelectuais, na sua imensa maioria, manifestavam horror por esses espectáculos de Dor Pública, apresentados entre vidrilhos, cavalos enfeitados de tripas de fora e trampa a completar a elegância das curvas dos toureiros…
Seja como for, por variadas razões que não vêm ao caso, esse desdém quase colectivo acabou por se desvanecer e no século XX a Dor, a Crueldade e a Violência voltaram à epiderme da sinceridade do homem. E os mórbidos e os fascistas nunca mais deixaram de elogiar a guerra e de aceitar como corolário lógico os campos de concentração e as torturas policiais…
Enquanto os progressivos puseram em moda os espectáculos de ferocidade mitigada em que as vítimas não são os homens, mas os bichos… As corridas, as caçadas, a pesca…
Agora, porém, que o fascismo tende a abrandar parece-me que esse culto do sangue (na terra, no céu e na água) começa a perder o sentido.
E em breve poderemos todos bocejar sem remorsos nas touradas!

J. Gomes Ferreira

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