Hoje, ao
ouvir alguns amigos enaltecerem – por contágio literário – os touros de morte,
senti-me de súbito culpado de não gostar de touradas… Ou talvez, com mais
precisão: de não saber se os meus sentimentos de repúdio não passavam de
herança herdada do século XIX (do humanitário
e estúpido século XIX!) quando os
intelectuais, na sua imensa maioria, manifestavam horror por esses espectáculos
de Dor Pública, apresentados entre vidrilhos, cavalos enfeitados de tripas de
fora e trampa a completar a elegância das curvas dos toureiros…
Seja como
for, por variadas razões que não vêm ao caso, esse desdém quase colectivo
acabou por se desvanecer e no século XX a Dor, a Crueldade e a Violência voltaram
à epiderme da sinceridade do homem. E os mórbidos e os fascistas nunca mais deixaram
de elogiar a guerra e de aceitar como corolário lógico os campos de
concentração e as torturas policiais…
Enquanto os
progressivos puseram em moda os espectáculos de ferocidade mitigada em que as
vítimas não são os homens, mas os bichos… As corridas, as caçadas, a pesca…
Agora, porém,
que o fascismo tende a abrandar parece-me que esse culto do sangue (na terra,
no céu e na água) começa a perder o sentido.
E em breve
poderemos todos bocejar sem remorsos nas touradas!
J. Gomes Ferreira
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