Carvoeiro, 4 de Julho de 1973 – Não paro. As largas clareiras de silêncio,
que parecem intervalos de sedentariedade nos meus dias, são apenas passadas que
este diário não regista. No meu sangue há uma ancestralidade nómada pelo menos
tão vigorosa como a atracção dos pólos nativo e adoptivo a que regresso sempre.
É uma necessidade de caminhar, de devorar léguas, de conhecer terras, de
perspectivar o mundo de todos os ângulos. Sinto-me bem a contemplar paisagens
novas, a ouvir sotaques estranhos, a visitar monumentos ignorados. Tenho a
impressão de ficar mais dentro da pele, mais de acordo comigo, mais senhor das
minhas certezas. É como se cada horizonte, onde sou estranho, me devolvesse
inteiro, despojado de todas as inevitáveis conivências que o hábito nos tece,
virginalmente capaz de arriscar, sobre o que vejo, juízos tão temerários e
irreprimíveis como declarações de amor.
Miguel Torga
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