Coimbra, 3 de Julho de 1975 – Nunca li tantos
jornais juntos na minha vida. Nem no tempo da Guerra Civil de Espanha e no da
Mundial. Embora profundamente empenhado em cada lance dessas duas grandes
tragédias, uma só gazeta da época punha-me ao corrente da situação. A carcaça
dos factos era sempre a mesma, qualquer que fosse a agência noticiosa. Teruel conquistada ou um
porta-aviões afundado não tinham duas versões. Além de que, por maior que fosse
o meu interesse pelos acontecimentos, nem Teruel ficava em Portugal, nem o
navio era português. Mas agora trata-se da pátria, da carne colectiva a que pertenço.
E devoro carros de prosa diariamente, a mais contraditória e parcial, a vomitar
as tripas quase sempre, mas sem arredar pé do tronco de tortura. E o pior é que
não corro a maratona noticiosa à procura de vislumbrar qualquer milagre de
salvação. Dou cabo dos olhos apenas na ânsia de encontrar uma desculpa que
torne a vergonha menos dolorosa. Sou como aqueles doentes do coração que fazem
electro-cardiogramas sucessivos, a ver se num deles não existem sinais de
enfarte.
Miguel Torga
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