quarta-feira, 3 de julho de 2013

Miguel Torga, Coimbra, 3 de Julho de 1975

Coimbra, 3 de Julho de 1975 – Nunca li tantos jornais juntos na minha vida. Nem no tempo da Guerra Civil de Espanha e no da Mundial. Embora profundamente empenhado em cada lance dessas duas grandes tragédias, uma só gazeta da época punha-me ao corrente da situação. A carcaça dos factos era sempre a mesma, qualquer que fosse a agência noticiosa. Teruel conquistada ou um porta-aviões afundado não tinham duas versões. Além de que, por maior que fosse o meu interesse pelos acontecimentos, nem Teruel ficava em Portugal, nem o navio era português. Mas agora trata-se da pátria, da carne colectiva a que pertenço. E devoro carros de prosa diariamente, a mais contraditória e parcial, a vomitar as tripas quase sempre, mas sem arredar pé do tronco de tortura. E o pior é que não corro a maratona noticiosa à procura de vislumbrar qualquer milagre de salvação. Dou cabo dos olhos apenas na ânsia de encontrar uma desculpa que torne a vergonha menos dolorosa. Sou como aqueles doentes do coração que fazem electro-cardiogramas sucessivos, a ver se num deles não existem sinais de enfarte.

Miguel Torga

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