sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O MISTERIOSO SILÊNCIO DA MOURELA

A residência paroquial de Randin é uma bela casa de pedra antiga, cheia de sol e de história.
De sol é tão benquista que nem o mês de Fevereiro, o das brumas, lhe falta com ele.
Para a história ficará mais este dado: nela teve lugar, no pretérito dia 22 de Janeiro, a fundação do grupo «Amigos do Couto Misto», entre os quais eu tive a honra de ficar incluído.
Lá voltámos no dia 11 do corrente para a primeira sessão de trabalhos.
Estava, como disse, um desses esplêndidos dias de Fevereiro, em que os pássaros despertam para o acasalamento e os amantes da natureza para os passeios ao ar livre.
Da agenda constava um almoço em Tourém. Resolvemos ir a pé. Entre damas e cavalheiros, éramos à volta de trinta, mais que suficientes para uma alegre excursão. Metemos pés a caminho em gárrulo convívio de vozes e risos.
Lembrei-me de quando, na minha mocidade, por ali andei a saltar sebes e riachos, em divertido, quando não perigoso, jogo das escondidas com os guardas-fiscais e os carabineiros. Coisas do passado. Hoje as duas aldeias estão ligadas por um estradão asfaltado, directo, livre e franco. Os de Tourém atravessam Randin com as suas manadas de vacas para irem pastorear campos do outro lado. Outros tempos, outras mentalidades. Se bem que ainda haja muito que aprender e emendar. Na hotelaria, por exemplo. Os restaurantes de Barroso ainda não aprenderam a explorar racionalmente o filão que os galegos representam. Exageram nos preços e espantam-nos.
Assim aconteceu em Tourém. Verdade se diga que o ágape foi um festim. Não tanto pelas iguarias, muito embora nada haja a dizer em desabono da cozinheira, mas pela alegria e boa disposição dos convivas. Não haja dúvida de que os galegos são muito mais alegres e expansivos do que nós, barrosões. A confraternização meteu concertina, guitarra, pandeireta, vozes agradáveis, cantigas para todos os gostos e feitios. Foram duas ou três horas de plena harmonia de corpo e de espírito.
O preço do repasto, porém, destoou…
Eu era o único barrosão do grupo. Despedi-me dos meus amigos galegos com a suspeita de que, em próximas reuniões, os organizadores pensarão duas vezes antes de marcarem almoços em Tourém.
Tinha ido pelo Larouco. Resolvi regressar pela Mourela. Ainda havia sol. Parei em plena serra para oxigenar os pulmões. À minha direita elevava-se um pico eriçado de penhascos. «Dali deve ver-se o mar…» disse para comigo. E fui ver. Mas fui ao engano. De lá avistava-se apenas outro morro. E depois outro. E um terceiro. E ainda um quarto. E não sei quantos mais. Até a vista esbarrar nos «Cornos de Fonte Fria» que assim se chamam, se não estou em erro, os picos mais altos do Gerês barrosão.
Ingenuidade a minha: ver o oceano… O que eu vi foi um mar de silêncio… Um silêncio vivo, vibrátil, melódico. Música indefinida, longínqua. Dos anjos?
Aparentemente, quem sobe ao alto dos montes, fica mais perto do céu. Mas, quanto a mim, os anjos não passam de criações alucinatórias de teólogos alucinados. Reais, só os astros. Seria aquilo música dos astros?
Mas para que procurar no céu coisas que a terra explica?
Subi outro morro. A música persistia. Talvez agora levemente mais perceptível: sonoridade polifónica de campainhas. Não via rebanho nenhum. Mas tinha a certeza: aquela orquestração de bronzes só dum grande rebanho podia vir. Em ondas. Ondas que iam e vinham. Ora encapeladas como o mar das tempestades, ora bonançosas como o mar das calmarias.
Ondas sonoras. Das campainhas do gado? Da cantilena dum regato?
Ou apenas música do diáfano silêncio da Mourela?
Enigmáticas maravilhas da nossa terra.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS II – Crónicas de Barroso (p. 47 e s.)

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