quinta-feira, 18 de outubro de 2012

18 de Outubro de 1977

«Só se veja quem só se deseja!», diz a tradição. O mal é que se vejam sós aqueles que mais anseiam por companhia!
Julgo por vezes ver claro no teu pensamento: que tu me estás evitando, ou fugindo, não por não me teres amor, mas ao contrário: porque receias a cadeia que ele é para ti, ou tornar-te prisioneira dele. Fraca consolação para a dúvida em que eu vivo!
«O proletariado», diz o filósofo, «é o santo-e-senha graças ao qual um sem-número de pseudo ou semi-intelectuais se vão amanhando com chorudos e estéreis empregos, à custa de todos nós, os que trabalhamos.»
O nosso maior defeito ou vício é o desmedido orgulho. Na verdade, o da estupidez ou incriatividade que não se vê a si própria. Inversamente: a carência total de humildade. (Não confundir com a dos humilhados!) Coisa que se revela em quase todos os nossos actos e sobretudo no infindável palanfrório que nos vamos habituando a confundir com a liberdade de palavra.
Esta multidão apressada e feliz, das grandes metrópoles, que caminha como quem vai a um destino, sempre lhe causou inveja, o excitou e fez desejar ter também um propósito na vida, como fosse um emprego de importância ou de utilidade, ou mesmo uma posição política de influência ou relevo. Coisas que a sorte nunca lhe ensejou!
Encontrei-o na rua, de viseira caída:
– Homem, que bicho lhe mordeu?
– Estou resolvido a aderir ao Partido Comunista!
– O quê! Você que foi sempre um moderado, um conservador para não dizer reacionário?! E ainda por cima católico!
– Por isso mesmo. Sofri sempre deste meu pendor cristão a estar ao lado dos vencidos!
Diz-me este sujeito com rancor: «Mas você nunca se ocupa de política!» (O que é calúnia, pois que de vez em quando me escapa um comentário político dos muitos que calo!) Respondo: «Não falar de política é hoje para mim o melhor sinal de que existe um alto grau de liberdade em Portugal!» 

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