terça-feira, 23 de outubro de 2012

De Profundis, Valsa Lenta [1]

“Quando perdeste o sonho e a certeza tornaste-te
desordem e fizeste-te nuvem”

Simónides de Kéos, Epitáfio nas Termónilas



Janeiro de 1995, quinta-feira. Em roupão e de cigarro apagado nos dedos, sentei-me à mesa do pequeno-almoço onde já estava a minha mulher com a Sylvie e o António que tinham chegado na véspera a Portugal. Acho que dei os bons-dias e que, embora calmo, trazia uma palidez de cera. Foi numa manhã cinzenta que nunca mais esquecerei, as pessoas a falarem não sei de quê e eu a correr a sala com o olhar, o chão, as paredes, o enorme plátano por trás da varanda. Parei na chávena de chá e fiquei. «Sinto-me mal, nunca me senti assim», murmurei numa fria tranquilidade.
Silêncio brusco. Eu e a chávena debaixo dos meus olhos. De repente viro-me para a minha mulher: «Como é que tu te chamas?»
Pausa. «Eu? Edite.» Nova pausa. «E tu?»
«Parece que é Cardoso Pires», respondi então.

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