domingo, 13 de outubro de 2013

Vale das Eiras, 13 de outubro de '90

Depois de três quartos de um ano de ausência, período em que aconteceu mais do que uma primeira leitura das consequências deixa entrever, o reencontro com esta parte de Portugal resulta repugnante e de uma assustadora fealdade. É certo que o verão quente – temperaturas até quase aos 50 graus – que o país viveu acrescentou bastante a este efeito. No entanto, uma vez que nada há a disfarçá-lo, tal só acentua o quanto a região costeira de Faro até Lagos está destruída. É uma faixa que não está apenas tapada com construções, já começam também os sinais de declínio: lixo e sucatas orlam a estrada principal. Pedaços fragmentados, que, como que por acaso, se mantiveram incólumes, demonstram aqui e ali, recortadamente, como em tempos esta região foi bonita.
Até mesmo para os meus catos se revelou este verão pouco propício. Muitos deles estão flácidos ou secos, rodeados de ervas daninhas. Só as plantas do pátio interior e, em parte, aquelas que estão em redor da casa foram regadas. É certo que o trabalho da D. Maria José é de um amável desleixo, mas não deixa de ser desleixo. Diante da casa a estrada foi arrancada, para ser feita a ligação da corrente elétrica desde um poste até à casa. Hoje de manhã veio então um trator que voltou a tapar o buraco. Mais uma coisa atamancada, já que com as próximas chuvas se irão formar enormes poças de água.
Desde ontem que o céu se apresenta cinzento. Aguaceiros breves. Nem mesmo as compras em Lagos foram capazes de nos animar. Depois de uma sesta (demasiado longa), exausto e com alturas em que desatei a transpirar, decidimo-nos a considerar-nos aqui chegados. No entanto, já ontem, antes de finalmente podermos entrar em casa, me havia um sapo (de mau agoiro?) saudado.
No mercado de Lagos comprei uma sapateira, ainda viva. Pela primeira vez desde os anos sessenta na Bretanha: e, de um modo ainda surpreendente, a beleza em cada pormenor. A carapaça superior concebida com toda a minúcia. As articulações bem ponderadas. As pinças: ferramentas, já há muito eficazes, ainda antes de haver os insuficientes seres humanos.
Günter Grass – EM VIAGEM De Uma Alemanha à Outra – Diário [1990] 

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