domingo, 6 de outubro de 2013

6 de Outubro [1993]

Numa entrevista que deu à revista Ler, o Eduardo Prado Coelho faz uma declaração curiosa (é o menos que se pode dizer) em resposta ao reparo do Francisco José Viegas de que eu «tinha razão quando dizia que os pequenos países europeus iriam ser prejudicados pelos grandes, a propósito da CE...». Diz o Eduardo: «Eu tive, várias vezes, tanto à mesa de almoços e jantares, como em debates públicos, ocasião de debater com o José Saramago – sempre em termos simpáticos, amáveis e com aquele sentido de diálogo, de abertura de espírito e de tolerância que o Saramago sempre mostrou nas conversas que tivemos – a questão europeia. E, de facto, o Saramago tinha opiniões que, por vezes, me irritavam e com as quais discordava profundamente. Talvez alguns dos seus argumentos devessem ser mais tidos em conta. Não digo para estar de acordo com eles, mas para, de certo modo, se avançar para a construção europeia de uma maneira mais sólida e mais eficaz.» Dormitavam a inteligência, a lucidez de Prado Coelho, normalmente tão despertas, quando estas palavras lhe saíram da boca? Dar-se-á conta agora, diante da página impressa, de que o que disse não tem sentido algum? Deixando de parte o seu cauteloso e diplomático «talvez», parece ser claro, para o Eduardo, que alguns dos meus argumentos deveriam ter sido tomados em conta. Ora, se eles mereciam essa atenção (de quem? de Cavaco Silva? de Delors? Do próprio Eduardo?), não se compreende como, na continuação da frase, se insinua que «ter em conta» não seria o mesmo que «estar de acordo». Ou é possível, afinal, «não estar de acordo» e «ter em conta»? Parece, em todo o caso, que os meus modestos argumentos, nascidos, não do alto de coturnos intelectuais de que não presumo, mas do simples senso comum e da simples observação da História, sempre podiam ter servido para tornar a construção europeia «mais sólida e mais eficaz»... Enfim, só tenho de deixar passar o tempo. Chegará o dia em que o Eduardo descobrirá a dimensão do seu engano. Oxalá então não seja demasiado tarde para Portugal. Se isso tem alguma importância. Entretanto, alguma coisa se foi ganhando: o Eduardo já se irrita menos...
José Saramago

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