António
José Saraiva, Seara Nova, Outubro de 1960
Como hoje em dia acontece com a maioria dos
portugueses, quase só conheço o regime que vigorou em Portugal de 1910 a 1926
por ouvir falar. As palavras dos seus inimigos, a persistência, apesar de tudo,
de uma parte das instituições criadas por aquele regime, fazem-me no entanto
conceber uma admiração mal definida por essa República democrática que foi das
primeiras a aparecer na Europa.
Por isso pergunto muitas vezes a mim próprio o que é
que realmente se passou em Portugal no período de 1910 a 1926; em que é que,
concretamente, se baseiam aqueles que o atacam. A verdade é que aquele período
é para a maioria dos portugueses uma incógnita; muito embora um instinto
natural de generosidade, a tradição de tempos em que existiu uma luta política
com a participação do Povo, nos faça ser muito circunspectos e desconfiados
perante os seus presumidos críticos.
Esta ignorância é muito lamentável, como de resto toda
a ignorância. Para ter ideias claras sobre o futuro do nosso País é fundamental
tê-las sobre o seu passado. E nós, os que escrevemos e falamos, trabalhamos,
pagamos impostos, não estamos de forma alguma dispensados da responsabilidade
cívica de construir o futuro.
Já é tempo enfim de sabermos o que foi a República de
1910 a 1926. Nada de bom resulta de se lhe atirar pedras, e não é bastante,
também, cobri-la de flores. Mais alguma coisa é preciso: que os historiadores
se ocupem dela, começando por estudar a sua obra legislativa e as suas
realizações práticas no campo social, religioso, educativo e económico, as
circunstâncias internas e externas, que a condicionaram, os seus êxitos e os
seus fracassos, o seu legado e a sua lição. O conhecimento dessa experiência
pode ser capital para o futuro.
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