As vagas sucessivas de políticos
"pragmáticos" que se têm sucedido no poder desde que se esfumou o
sonho desmesurado do 25 de Abril transformaram-nos, aos poucos, naquilo que
hoje somos, um povo como aquele, cimério, de que fala Plínio,
incapaz de sonhar. Mais do que governantes, à frente do destino colectivo temos
tido apenas governantas movendo-se de um lado para o outro entre a despensa e a
sala de jantar e falando connosco numa língua de escravos onde palavra nenhuma
se escreve com maiúscula. Se alguém, de repente, lhes pusesse à frente uma
Ideia, ou uma Utopia, ou simplesmente abrisse as persianas sobre horizontes mais
vastos do que os do dia seguinte, haveriam de empalidecer aterrorizados como o
notário de Pablo
Neruda diante de um lírio branco.
À força de quererem convencer-nos do "fim
das ideologias" (e até do "fim da História") têm-nos ministrado overdoses
maciças de economia liberal, reduzindo a vida colectiva à sobrevida e à
"vidinha" e expropriando-a de causas maiores do que a do défice ou a
da "produtividade" (raio de palavra!). O resultado de tanta realidade
está à vista...
Porque os povos, como os indivíduos, precisam
de mais alguma coisa do que de números, precisam de uma grande razão, um desígnio
capaz de dar sentido à esperança. Como ensina o poeta, é o sonho (mesmo que
temperado com algum lastro da realidade), que comanda a vida. Ou, nas palavras
do presidente da República, há Vida para além do défice (mas a maiúscula é
minha...)
Ora que desígnio temos hoje como povo? Por isso
somos, se possível, ainda mais pobres.
Manuel António Pina, JN,06.10.2005
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