Um
tanto mais desenvolvidas, as respostas definitivas foram as seguintes:
Primeira.
Que devo entender por um corpo «autenticamente transmitido»? Entre os
evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João há diferenças e contradições
universalmente reconhecidas. Se se considera que essas mesmas contradições e
diferenças fazem parte do «corpo», então não deveria ser motivo de escândalo
que alguém, interpretando os documentos evangélicos, não como uma doutrina, mas
como um texto, procure encontrar neles uma nova coerência, problematizante e humana.
Os meus critérios foram, portanto, os do romancista, não os do historiador ou
do teólogo.
Segunda.
Um contrato verdadeiramente digno desse nome, e muito mais se vai condicionar
radicalmente a vida de um povo, como a Lei recebida no Sinai, teria sempre de
respeitar e conciliar a vontade das duas partes envolvidas. Não creio que se
possa afirmar que seja este o caso: Deus impôs as suas condições – o Velho
Testamento é, todo ele, uma demonstração de poder divino – e o povo judeu
aceitou-as. A isto não chamaria eu contrato, mas diktat.
Terceira.
Simplesmente, o espectáculo do mundo. Jesus, filho de um Deus e pai de um Deus
(será preciso dizer que o Deus de que hoje falamos está feito à imagem e
semelhança do Filho?), não inventou o perdão. O perdão é humano. E o único
lugar da transcendência é, acaso, a mais imanente de todas as coisas: a cabeça
do homem.
Quarta.
Não é legítimo confundir as guerras (e não apenas as nacionalistas) com as
lutas políticas. O que chamamos luta política é uma consequência lógica da vida
social. Por outro lado, eu não considero nociva ou alienante a profissão de fé
dos crentes. Apenas entendo que é meu direito e meu dever debater questões que
formaram e continuam a formar, directa ou indirectamente, a substância mesma da
minha vida. Como tenho dito, não sou crente, estou fora da Igreja, mas não do
mundo que a Igreja configurou.
Quinta.
O título do meu livro nasceu de uma ilusão de óptica. Estando em Sevilha, ao
atravessar uma rua na direcção de um quiosque de jornais, li, no meio da
confusão das palavras e das imagens expostas, O Evangelho segundo Jesus
Cristo. Este título, portanto, foi-me dado, e como tal o mantive, estando embora consciente da sua dupla
inadequação: primeiro, porque o meu livro não é realmente uma boa nova para
quem estiver mais atento ao «corpo» do que ao espírito; segundo, porque Jesus não
escreveu nunca a sua própria vida. Talvez que se a tivesse escrito (perdoado me
seja agora este pecado de orgulho) encontrássemos nela algo do que eu próprio
escrevi: por exemplo, a conversação com o escriba no Templo...
Sexta.
Só no Evangelho segundo João a mãe de Jesus está presente no martírio e
morte do filho. Nos outros evangelhos, as mulheres (e entre elas nunca é
mencionada Maria) assistiam de longe. Eu não estava lá, mas estou pronto a
jurar que Jesus morreu só, como sós temos de morrer todos.
Ponto
final. Ainda acabo teólogo. Ou já o sou?
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