O rio Arno atravessa Pisa, em semicírculo, enquadrado
por uma dezena de pontes. O autocarro deixou-nos na Ponte della Citadella,
vindo de San Giuliano
Terme, uma vilazinha termal da Toscana, onde viveu a família Shelley. Caminhar
à beira do Arno pela Via Lungarno e
contemplar a água e a velha arquitectura de Pisa é um bem-estar poético. Ali
ficam os antigos Palazzos Toscanelli
e Chiesa.
O primeiro foi morada de Byron e é hoje o Arquivo da Cidade. No meio dos
investigadores circunspectos que lá dentro devoram calhamaços seculares, pode
ver-se o tecto onde sobressai uma pintura com Byron em cima de um cavalo
branco.
Diz-se que,
após as suas conhecidas caçadas e outras aventuras pisanas, Byron subia as
escadarias de pedra do palácio montado a cavalo, em triunfo. Das janelas do Toscanelli via do outro lado
do rio o Palazzo Chiesa (hoje um edifício particular) que era a casa onde viviam
Mary e Percy Shelley. Acenavam-se,
cumprimentavam-se e combinavam encontros. Shelley perdia-se em grandes
caminhadas pelos arredores, muitas vezes até à exaustão, tendo que ser
procurado por criados e autoridades locais.
Continuando
pela margem do Arno, logo a seguir à praça Garibaldi deparamos com o mais
antigo café de Pisa e um dos cafés literários mais conhecidos de Itália, o Caffè dell’Ussero
incrustado, desde 1775, no barroco Palazzo Agostini
(séc. XV), mesmo ao lado do Royal
Victoria Hotel, poiso do ensaísta e crítico pré- rafaelita John Ruskin. Este café,
frequentado por Byron e Shelley era, no séc. XIX, o local preferido dos estudantes
revolucionários liberais e jacobinistas e esteve ligado aos carbonários. Byron
inscreveu-se mesmo na Carbonária em Pisa, apoiando com dinheiro a compra de
armas. E Shelley projectou fundar ali um jornal intitulado The Liberal.
Lutava-se
então pela unificação da Itália. Por ali andou disfarçado Giuseppe Mazzini, o
revolucionário contemporâneo de Garibaldi ao lado do
qual lutou pela democracia popular num estado uno e republicano. Lá está ainda
hoje a portinha clandestina, no interior do Ussero, por onde os estudantes
fugiam quando a polícia do regime investia por ali adentro. Comi ao almoço uma
bela e atomatada sanduiche
italiana, à espera dos novos revolucionários do séc. XXI, mas ninguém apareceu,
não foi por enquanto preciso abrir a porta clandestina. À saída de Pisa, em
queda lenta, vê-se a Torre
Pendente, mas deixemos isso para as invasões de asiáticos, espanhóis,
franceses e brasileiros que rumam de férias a Itália.
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