sábado, 29 de setembro de 2012

29 de Setembro de 1977

• «Só há no mundo uma maneira de amar, e o amor é uma delícia!», diz ela, sem explicações. E ele: «Há tantas maneiras de amar quantos os espíritos individuais!»
• O que mais me assusta é este constante roçadilho de corpos hostis e de espíritos opiniosos, intransigentes, inconciliáveis, mas no fundo pueris, que entre nós é o chamado convívio.
• «Ah, que beleza a destes primitivos ou naturais!», brada uma excursionista recém-chegada das ilhas do mar de Caribe (que nós, servilmente afrancesados, chamamos «as Caraíbas»). «Mas, minha boa amiga, pois então ainda se não deu conta de que eles são professional natives – indígenas profissionais – que vivem à custa dos turistas pacóvios, e em especial das americanas em mal de amor?»
• NEUTRO?! De modo algum! Muitíssimo do Contra! Do Contra-Tudo-e-Todos, Gregos e Troianos! Homem só da vigilante oposição do culto da verdade – doa a quem doer! A começar por ele próprio!
• «O meu erro», diz este idealista arrependido: «Só tarde me ter dado Conta de que vivia e lutava entre (e a favor!) de videirinhos, oportunistas, hipócritas – e burros! De todos os que aderem a um só ideal: o Emprego!»
• Eu escolhi o anonimato, a obscuridade, a modéstia do viver, a humildade (que não deves confundir com a humilhação!) –, e um orgulho paradoxal, mais ardente que o sol de Julho, no dizer do poeta. Tudo isso, junto, me assegurou a verdadeira liberdade, que é a independência pessoal. Cujo preço porém é sempre exorbitante!
• «Não há esquerdas nem direitas! São mitos!», brada o Mestre ilustre, para quem a «questão de regime» também não tem importância.
«Mas, Mestre: o senhor acredita no Céu e no Inferno?»
«Nem a brincar!»
«Porque são mitos também! E, no entanto, têm dado frutos históricos, políticos, éticos e sociais de incalculável alcance! Os mitos são realidades imponderáveis, tão eficazes como as doutrinas, as ideologias, as demonstrações pelo absurdo, e as outras realidades… espirituais!»
«O mito é o nada que é tudo.» F. Pessoa.
• O amor das mulheres dava-lhe tais contrariedades, ciúmes, tormentos, conflitos e perdas de tempo, que ele chegou a preferir (embora com muita pena) que elas o deixassem definitivamente em paz, para poder consagrar-se ao seu trabalho. Bom, com uma pequena interrupção ocasional, de longe em longe, dizia, para aliviar!
• As teorias futuristas e cubistas de «dinamismo» – decomposição de movimentos ou de objectos, como em Nu Descendo a Escada de Marcel Duchamp, ou o Cão à Trela de Bolla – falharam por completo: deram imagens curiosas, de multiplicidade, mas tão imóveis como inutilmente complicadas. Aliás, a Arte – a obra de Arte – não exprime, não traduz, não representa, imita ou interpreta senão o que é ela própria. Além de que cada objecto (paisagem, pessoa, seja o que for) pode ter mil diversas «representações», conforme o estilo, o gesto, a hora, a luz, o meio empregado, a disposição do artista ou do sujeito, etc. O objecto da Arte é o objecto de Arte.
• Os povos, como os indivíduos, carregam o peso dos seus erros passados. O mal é que, uns como os outros, nem sempre o sabem fazer alegremente, ou, pelo menos, com equanimidade.
• Ainda foi no tempo distante do liceu. Diz-me o X., confidendaI: «Se estou apaixonado, morro; se o não estou… não vivo! Que te parece isto?» «Parece-me Camões!» 

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