Formentor
O homem põe,
porém são as circunstâncias as que dispõem. Depois de tantos meses saboreando
por antecipação a projectada viagem a Mallorca, o encontro com
amigos, o debate anunciado, eis que as razões de uma saúde que necessita ser
vigiada vieram desaconselhar a deslocação: as já citadas circunstâncias e
acasos determinaram que alguns exames que devo fazer coincidissem com as
datas do encontro. Paciência. Haverá outros Formentor e em algum
deles estarei. Estas palavras dirijo-as a todos os participantes do encontro,
conferencistas e público. Exprimem o meu pesar pela forçada ausência, mas, ao
mesmo tempo, querem dar testemunho da importância da continuidade de Formentor,
tanto pelas obrigações contraídas no passado como pelas esperanças que o seu
regresso vai trazer à definição de novas estratégias no plano da acção
cultural. O espírito livre de Formentor dos anos 60 deve ser revivificado, e
este é o momento exacto para fazê-lo. Todos sentimos que soou a hora de
levantar outra vez a palavra para promover a reflexão livre e, que não se
escandalizem os ouvidos castos, a justa dissidência. Disso se trata: dissentir
é um dos dois direitos que faltam à Declaração
dos Direitos Humanos. O outro é o direito à heresia. Os participantes do «velho»
Formentor, entre os quais, além de Carlos Barral, me apraz
recordar o meu colega José Cardoso Pires,
sabiam-no, todo o seu empenho se orientou no sentido de uma necessária desmitificação
de conceitos e na aclaração da função social do escritor, com independência de
laços ideológicos ou partidários. Falemos claro e entender-nos-emos uns aos
outros. A todos saúdo, amigos e desconhecidos, a Perfecto
Cuadrado, e também a Juan
Goytisolo a quem quero deixar expressos nesta breve declaração todo o meu
respeito e toda a minha admiração.
José Saramago, O CADERNO
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