Coimbra, 29 de Setembro de 1980 – Mais uma campanha
eleitoral. Mais um aturdimento retórico e falacioso de ponta a ponta de
Portugal. Não há praça sem alto-falante, rua sem bandeira, parede sem cartaz,
poste ou tronco de árvore sem símbolo partidário. A televisão e a rádio não dão
tréguas aos olhos e aos ouvidos. E os jornais vêm cheios de discursos para
todas as paixões. É um derrame de palavras a que nenhum fastio se pode esquivar
e em que no fundo ninguém acredita, de tal modo é flagrante a sua
inautenticidade. Mas a projecção do amordaçamento passado e traumatismos ainda
recentes juntam-se no retraimento colectivo. E a euforia prosélita, sem cuidar
dessas feridas, entende a passividade circundante como simpatia. Não há facção,
por insignificante que seja, que não celebre antecipadamente o triunfo.
Reduzidos a um chorrilho de estribilhos, os programas mais antagónicos parecem
iguais na obsessão sonora. O sonho primaveril de um país renascido, lúcido,
saudavelmente apostado em dignificar os seus padrões de liberdade, sem
confundir a abertura de espírito com a ausência de critério, deu nisto: a
tirania silenciosa de outrora a vingar-se na demagogia ruidosa de agora.
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