sábado, 29 de setembro de 2012

Coimbra, 29 de Setembro de 1980

Coimbra, 29 de Setembro de 1980 – Mais uma campanha eleitoral. Mais um aturdimento retórico e falacioso de ponta a ponta de Portugal. Não há praça sem alto-falante, rua sem bandeira, parede sem cartaz, poste ou tronco de árvore sem símbolo partidário. A televisão e a rádio não dão tréguas aos olhos e aos ouvidos. E os jornais vêm cheios de discursos para todas as paixões. É um derrame de palavras a que nenhum fastio se pode esquivar e em que no fundo ninguém acredita, de tal modo é flagrante a sua inautenticidade. Mas a projecção do amordaçamento passado e traumatismos ainda recentes juntam-se no retraimento colectivo. E a euforia prosélita, sem cuidar dessas feridas, entende a passividade circundante como simpatia. Não há facção, por insignificante que seja, que não celebre antecipadamente o triunfo. Reduzidos a um chorrilho de estribilhos, os programas mais antagónicos parecem iguais na obsessão sonora. O sonho primaveril de um país renascido, lúcido, saudavelmente apostado em dignificar os seus padrões de liberdade, sem confundir a abertura de espírito com a ausência de critério, deu nisto: a tirania silenciosa de outrora a vingar-se na demagogia ruidosa de agora. 

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