Esperanças e utopias
Sobre as virtudes da esperança tem-se escrito muito e
parolado muito mais. Tal como sucedeu e continuará a suceder com as utopias, a esperança foi sempre,
ao longo dos tempos, uma espécie de paraíso sonhado dos cépticos. E não só dos
cépticos. Crentes fervorosos, dos de missa e comunhão, desses que estão
convencidos de que levam por cima das suas cabeças a mão compassiva de Deus a
defendê-los da chuva e do calor, não se esquecem de lhe rogar que cumpra nesta
vida ao menos uma pequena parte das bem-aventuranças que prometeu para a outra.
Por isso, quem não está satisfeito com o que lhe coube na desigual distribuição
dos bens do planeta, sobretudo os materiais, agarra-se à esperança de que o
diabo nem sempre estará atrás da porta e de que a riqueza lhe entrará um dia,
antes cedo que tarde, pela janela dentro. Quem tudo perdeu, mas teve a sorte de
conservar ao menos a triste vida, considera que lhe assiste o humaníssimo
direito de esperar que o dia de amanhã não seja tão desgraçado como o está
sendo o dia de hoje. Supondo, claro, que haja justiça neste mundo. Ora, se nestes
lugares e nestes tempos existisse algo que merecesse semelhante nome, não a
miragem do costume com que se iludem os olhos e a mente, mas uma realidade que
se pudesse tocar com as mãos, é evidente que não precisaríamos de andar todos
os dias com a esperança ao colo, a embalá-la, ou embalados nós ao colo dela. A
simples justiça (não a dos tribunais, mas a daquele fundamental respeito que
deveria presidir às relações entre os humanos) se encarregaria de pôr todas as
coisas nos seus justos lugares. Dantes, ao pobre de pedir a quem se tinha
acabado de negar a esmola, acrescentava-se hipocritamente que “tivesse
paciência”. Penso que, na prática, aconselhar alguém a que tenha esperança não
é muito diferente de aconselhá-la a ter paciência. É muito comum ouvir-se dizer
da boca de políticos recém-instalados que a impaciência é
contra-revolucionária. Talvez seja, talvez, mas eu inclino-me a pensar que,
pelo contrário, muitas revoluções se perderam por demasiada paciência.
Obviamente, nada tenho de pessoal contra a esperança, mas prefiro a
impaciência. Já é tempo de que ela se note no mundo para que alguma coisa aprendam
aqueles que preferem que nos alimentemos de esperanças. Ou de utopias.
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