Berlusconi
& C.ª
Segundo a revista norte-americana Forbes, o Gotha da
riqueza mundial, a fortuna de Berlusconi ascende a quase 10 mil milhões de dólares. Honradamente
ganhos, claro, embora com não poucas ajudas exteriores, como tem sido, por
exemplo, a minha. Sendo eu publicado em Itália pela editora Einaudi,
propriedade do dito Berlusconi, algum dinheiro lhe terei feito ganhar. Uma
ínfima gota de água no oceano, obviamente, mas que ao menos lhe deve estar dando para pagar os
charutos, supondo que a corrupção não é o seu único vício. Salvo o que é do
conhecimento geral, sei pouquíssimo da vida e milagres de Silvio Berlusconi, il Cavalieri.
Muito mais do que eu há-de saber com certeza o povo italiano que uma, duas,
três vezes o sentou na cadeira de primeiro-ministro. Ora, como é costume ouvir
dizer, os povos são soberanos, e não só soberanos, mas também sábios e
prudentes, sobretudo desde que o continuado exercicio da democracia facilitou
aos cidadãos certos conhecimentos úteis sobre como funciona a política e sobre
as diversas formas de alcançar o poder. Isto significa que o povo sabe muito
bem o que quer quando o chamam a votar. No caso concreto do povo italiano, que
é dele que estamos falando, e não de outro (já chegará sua vez), está
demonstrado que a inclinação sentimental que experimenta por Berlusconi, três
vezes manifestada, é indiferente a qualquer consideração de ordem moral.
Realmente, na terra da mafia e da camorra,
que importância poderá ter o facto provado de que o primeiro-ministro seja um
delinquente? Numa terra em que a justiça nunca gozou de boa reputação, que mais
dá que o primeiro-ministro faça aprovar leis à medida dos seus interesses,
protegendo-se contra qualquer tentativa de punição dos seus desmandos e abusos
de autoridade?
Eça de Queiroz dizia que, se passeássemos uma gargalhada ao redor de
uma instituição, ela se desmoronaria, feita em pedaços. Isso era dantes. Que
diremos da recente proibição, ordenada por Berlusconi, de que o filme W. de Oliver Stone seja ali exibido? Já lá chegaram os poderes de il Cavaliere?
Como é possível ter-se cometido semelhante arbitrariedade, ainda por cima
sabendo nós que, por mais gargalhadas que déssemos ao redor dos quirinais, eles
não cairiam? É justa a nossa indignação, embora devamos fazer um esforço para
compreender a complexidade do coração humano. W. é um filme que
ataca a Bush, e Berlusconi, homem de coração como o pode ser um chefe
mafioso, é amigo, colega, compincha do ainda presidente dos Estados Unidos. Estão bem um para o outro. O que não estará nada bem é
que o povo italiano venha a chegar uma quarta vez às pousadeiras de
Berlusconi a cadeira do poder. Não haverá, então, gargalhada que nos salve.
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