No tempo em que
eu andava em Coimbra – e quantas coisas se douram logo de legenda na simples
enunciação trindadecoelheira do «tempo em que eu andava em Coimbra» – nesse
tempo de há meio século havia lá entre os bobos da academia um langão de beiça
pendida e com um ar atordoado de estupidez e bonacheirice que chamávamos
Dim-Dim. E a sua habilidade mestra, já celebrada por vários cronistas, e não
sei se por mim, era ir «fazer bolinhas» a quem lhe mandassem, para recolher
depois umas coroas pelo trabalho. E fazer bolinhas era ir por trás da vítima
indicada e apalpar-lhe o que essa vítima tinha pela frente. Fúria do apalpado
às mãos grossas do apalpador e gargalhada geral dos mandantes da apalpação. E
ponto final no assunto. Porque o que eu queria era lembrar um grupo que no fim
do curso congregámos e a que demos justamente a designação de «Bolinhas».
Fizémos o jantar de despedida num restaurante da Sofia –, o «Flecha» nos
números 163-165 – e em vários cartões do próprio restaurante escrevemos o nosso
adeus – que o foi até hoje e para sempre. E de súbito, não sei porquê, pus-me a
evocar os nomes dos que se agruparam nessa despedida e já os não recordo a
todos. Tenho os cartões perdidos na confusão dos meus papéis, emaçados com jornais,
encaixotados com a imensa correspondência de que há tempos tentei em vão
decifrar os nomes de todos quantos ma enviaram – e assim não posso socorrer-me
deles. Mas lembro alguns e dá-me prazer restaurar-lhes aqui a presença ignorada
ou a ausência definitiva. Ponces de Carvalho, falecido há anos [1]e
que foi casado com uma neta do João de Deus, senhora que
activamente perpetua a acção educativa do avô e pai de um jovem cineasta que
foi meu aluno. Creio que um Caldas, de Moçambique, médico não sei se já no
paraíso. Ramiro Valadão, salazarista,
mais tarde presidente da RTP e que os oposicionistas chamavam Ramiro Valadrão.
Fred (Fernando Martins) já morto, geógrafo e de vida legendária, cuja tese
tinha um título cheio de riscos assim: «Esforço do homem na bacia do Mondego».
O risco estava em se poder dizer que o esforço do homem na bacia era aquilo. Bom tipo, aliás, aperfeiçoado no
seu pequeno toque de loucura aventureira. Suponho que um Melo Furtado,
açoriano, aparecido morto no Estoril, tapado, creio, com o casaco, mas sem que
a razão da morte ficasse depois mais descoberta. Suponho que também o Bandeira, que era alto
como o nome e foi já também descontado à Humanidade. E não me lembro dos
outros. Mas destes, de que só dois (eu incluído) suspeito ainda a fazer de
vivos, os nomes que deixo aqui dá-me a doce ilusão de que os prendo ainda à
vida pela realidade que faz emergir da confusão das coisas o nome que uma delas
alguém lhe dê, como logo Adão pôde saber.
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