O romance é uma espécie em vias de
extinção. E isso uma profecia generalizada mas sempre de execução sempre em
adiamento, com protestos exaltados dos que se sentem em ameaça ao seu bife. Creio
que falar disso é mesmo um sinal visível de reacionarismo. Em Maio de 88, num congresso
internacional havido em Queluz,
eu disse que o romance está ameaçado pela literatura de consumo e é de
realização difícil para se aguentar entre a qualidade e a quantidade, entre o
que o dignifica e a necessidade de ser vendido. Cardoso Pires
ironizou dizendo que o que se pretendia era um elitismo muito alargado. E a
imprensa, sempre adorável comigo, disse logo qualquer coisa que era mais ou
menos assim: toma lá, que é para saberes. Digamos que o romance está em
extinção. Na realidade está hoje tudo
em extinção. Mas é só o romance que me interessa, porque é problema em que
estou metido. Já talvez tenha contado o que se passa hoje na América no que
importa ao fabrico de romances. É uma indústria como a do sabão ou do papel
higiénico. Há editoras com os seus funcionários escritores que têm o seu
horário de trabalho e despacham em prosa romanesca as encomendas do patrão. O
funcionário entra no seu gabinete e cumpre a tarefa encomendada. E há vários
outros funcionáros como ele. As sondagens do mercado dizem que o que está a dar
é, por exemplo, o romance sobre a homossexualidade, perversão de menores,
conflitos rácicos, etc. E o patrão distribui o serviço: toma lá tu o tema da
panasquice, toma tu o das lolitas, toma tu o do futuro da negritude. E o
funcionário entra às nove e sai às cinco com uma hora para almoço, trabalhando
no tema encomendado até ir para casa. Faz-se o livro, vende-se o livro, lê-se o
livro e deita-se fora. Que é que a literatura tem a ver com tudo isto?
Há um problema que se insere na
degradação da arte mas que já não tem que ver propriamente com a perda de qualidade
e é a reprodução industrializada da obra plástica. A reprodução em sene
esbate-lhe não a qualidade elitista, mas a concentração nela de qualidades
enquanto arte. Como um pai de muitos filhos, o amor dissolve-se neles todos. E
o facto de um Vasarellì
defender essa desmultiplicação esclarece o que há de degradação no facto de ele
se insurgir contra a contemplação de
uma obra. Porque ela não é para contemplar, mas para ver e esquecer. O romance
vai morrer e é a morte de toda a arte que se visa ou reconhece neste trabalho
de sapa. Destruir. Deitar fora. Desconstruir. Tudo quer dizer o mesmo. E esse
mesmo que quer dizer é a liquidação do homem. Que é que isso tem de diferente
da ameaça da «engenharia genética»? Salvar o homem. Salvaguardar-lhe a sua
dignidade e o seu milagre. É o slogan
que em breve teremos necessidade de impor.
Mas estou a cair em drama puxado à
lágrima. Fico por aqui para não ir chorar para a casa de banho e deixá-la
talvez com mau cheiro.
*
Aproveita o que te sabe bem, enquanto os
médicos não descobrem que te faz mal. Ou espera com paciência até dizerem que
afinal faz mesmo muito bem.
VF
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