Como em todos os domingos, há o almoço
patriarcal. E como antes de todos eles, o Gilo põe a questão sobre onde vamos
almoçar. Hoje fomos à Pontinha,
que fica para lá de Carnide,
perto de Benfica. É
uma tasca aparelhada para o não parecer, num chão mais ou menos térreo com um
amontoado de objectos que poderiam servir para um museu regional, dependurados
do tecto e das paredes. Cangas
de bois do Minho, instrumentos de espadelar o linho, ancinhos, rocas de
fiar, chocalhos e o mais que não lembro ou poderia inventar como já terei
inventado e se reporta igualmente a um mundo antigo de ser português. A Regina
exaspera-se com este folclorismo que a sua desconfiança relaciona logo a uma
possível «exploração». Mas eu gosto. Não pelo aparato, mas pela comezaina que é
normalmente a condizer. E com efeito. Logo como aperitivo há uma abundância carniceira
com morcela, perna de porco, gorduras várias do mesmo simpático bicho. É a
minha infância que volta e com um pouco de apetite leva tudo a eito. Depois vem
o fundamental almoço, que eu insisto em que se coordene com o aperitivo.
Detesto o peixe, a menos que disfarce bem o que deve saber em cru. Como suponho
já ter dito, na minha aldeia é-se carnívoro e convoca-se a justifica-lo a
opinião de Cristo. Porque ele encarnou
e não empeixou. O peixe da minha
infância era a sardinha salgada ou já «ardida», vinda em caixotes dos confins
do mar ou o infeliz do bacalhau já espalmado em «peixotes». E quanto a peixe
temos falado. Restava pois a carne de porco da salgadeira porque a vaca era
quase tão sagrada como a indú. A minha ementa ideal era assim muito encurtada:
bacalhau, sardinha e porco. E quanto a prato propriamente dito, feijão com
arroz ao almoço e batatas ao jantar (alcunhados então respectivamente de jantar
e ceia). Fomos à Pontinha. Fui animal carnívoro até à alma. E estava aparelhado
hoje para beber. E bebi. Mas hoje os dois ascensores do prédio fizeram
fim-de-semana. De modo que tive de subir à pata os seis andares da minha
petulância. Cá cheguei ao alto da megalomania. E reparo agora, depois de uma
sesta, que já estava quase disponível para comer outro almoço…
VF
Sem comentários:
Enviar um comentário