Do sujeito sobre si
mesmo
Como
escritor, creio não me ter separado jamais da minha consciência de cidadão. Considero
que aonde vai um, deverá ir o outro. Não recordo ter escrito uma só palavra que
estivesse em contradição com as convicções políticas que defendo, mas isso não
significa que tenha posto alguma vez a literatura ao serviço directo da
ideologia que é a minha. Quer dizer, isso sim, que ao escrever procuro, em cada
palavra, exprimir a totalidade do homem que sou. Repito: não separo a condição
de escritor da do cidadão, mas não confundo a condição de escritor com a do
militante político. É certo que as pessoas me conhecem mais como escritor, mas
também há aquelas que, com independência da maior ou menor relevância que
reconheçam nas obras que escrevo, pensem que o que digo como cidadão comum lhes
interessa e lhes importa. Ainda que seja o escritor, e só ele, quem leva aos
ombros a responsabilidade de ser essa voz. O escritor, se é pessoa do seu
tempo, se não ficou ancorado no passado, há-de conhecer os problemas do tempo
que lhe calhou viver. E que problemas são esses hoje? Que não estamos num mundo
aceitável, bem pelo contrário, vivemos num mundo que está a ir de mal a pior e
que humanamente não serve. Atenção, porém: que não se confunda o que reclamo
com qualquer tipo de expressão moralizante, com uma literatura que viesse dizer
às pessoas como deveriam comportar-se. Estou a falar doutra coisa, da necessidade
de conteúdos éticos sem nenhum traço de demagogia. E, condição fundamental, que
não se separasse nunca da exigência de um ponto de vista crítico.
José Saramago, O CADERNO
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