Paraty, 5 de
julho 2012
Escrevo o seu nome num grão de arroz
Não importam
as 9 horas entre Lisboa e São Paulo ao lado de um menino de três ou
quatro anos a gritar, não importam as 5 horas entre São Paulo e Paraty, mil curvas lentas atrás de camiões com pára-lamas a
dizerem que Deus é fiel. Após
uma noite em Paraty, só o som dos passarinhos e do frigorífico do minibar,
acordar é muito parecido com ressuscitar. Nas manhãs desta cidade, nada agride
um escritor publicado: o sol está à temperatura certa, ouvem-se galos ao longe,
o café da manhã está pronto, esperando.
A festa
começa mais logo. Nas ruas, há homens a pintarem os últimos detalhes com
pincéis pequenos. A cidade está terminando de se preparar. Os carrinhos de
pipocas, de churros e de bolos chegam aos seus postos. Toda a gente tem
esperança de vender alguma coisa à multidão que aí vem. Num dos carros de bolos
está escrito: aqui só tem delícias. Passo por um grupo de crianças pequenas, em
fila, agarradas a uma corda. Reencontro-as na Praça da Matriz, entre livros
pendurados dos ramos das árvores por fios invisíveis, entre personagens da Alice no
País das Maravilhas ou do Sítio do
Picapau Amarelo. O Gulliver ainda está levando os retoques finais. Já está
estendido no chão, rodeado de liliputianos de cartão, mas um senhor paciente
ainda está a desembaraçar os cordéis que não o deixam levantar-se. Para as
crianças, a Flip
já começou. Na tenda da Flipinha,
ouve-se um coro de meninos a responder um sim arrastado. Aproximo-me, no palco,
sete crianças vestidas de letra soletram a palavra DESEJOS.
Ao início da
tarde, numa pousada do centro, há o almoço de boas-vindas. Chego tarde, mas
toda a gente ainda está à espera de qualquer coisa. Afinal, não cheguei tarde.
A piscina no centro, as palmeiras a levantarem-se na direcção do céu e os
autores convidados na fila para encherem o prato. Amigos que conheci aqui,
amigos que conheci noutros pontos do mundo, amigos futuros que acabo de
conhecer, caipirinha de maracujá e caipirinha de frutos vermelhos. São as duas
muito boas mas a de frutos vermelhos entope o canudinho.
Anoitece
cedo. Com este bom tempo, esqueço-me de que é inverno. Saio pela cidade,
acompanho as luzes foscas que se vão acendendo. Reparo em dois barcos no rio,
um chama-se Amor Eterno I e o outro, mais pequeno, chama-se Sonho de Arte. Os
dois estão disponíveis para aluguer.
Às 7 da
tarde, começa a mesa de abertura. Luís Fernando
Veríssimo, António
Cícero e Silviano Santiago falam sobre Drummond.
Assisto ao início na tenda do telão, como são grandes os seus rostos a falar,
como são altas e correctas as suas vozes.
Gosto do que
dizem mas, a essa hora, estou já irremediavelmente melancólico e decido voltar
às ruas da cidade. No caminho, por cinco reais, compro um pequeno livro de
espiritualidade e receitas vegetarianas a um hare
krishna que me pergunta se sou argentino. Cruzo-me também com um homem
de cara pintada; por um real, declama poemas, que podem ser escolhidos de um
cardápio. Compro um pastel de palmito e, na outra margem do rio, escolho um
lugar mal iluminado para me sentar a comê-lo. Sem que seja possível distinguir
as palavras, as vozes amplificadas que chegam da tenda dos autores têm um ritmo
sereno. Em momentos assinalados, ouve-se o público todo a aplaudir. Aqui, mais
perto, há uma mistura de vozes que só é perturbada por uma gargalhada
ocasional, mais alta e distante. A pouca distância de mim, está outro autor.
Trabalha sob um letreiro que diz: escrevo o seu nome num grão de arroz. As
pessoas param e assistem ao seu trabalho com admiração.
Mais logo, à
hora do jogo entre o Corinthians
e o Boca Juniors para a
Taça Libertadores,
haverá show de abertura pelo Lenine. Continuo
olhando a noite. Ainda não sei se vou, ainda não sei se fui.
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