Jardinices
A anunciada
proposta de lei de revisão constitucional do inefável Alberto João,
como carinhosamente o tratam os seus amigos e seguidores, tendo claramente um
gato dentro, não perde tempo a esconder-lhe o rabo. Louvemos-lhe a franqueza.
Jardim quer ser, com direito a veto por causa das moscas, presidente da região,
e é lícito pensar que já alimentava tal ideia na cabeça quando deixou antever,
tempos atrás, ainda que com um cauteloso grau de nebulosidade vocabular, o seu
abandono da política, dando-nos um gosto que afinal, como as rosas de
Malherbes, viria a durar pouco. A inteligência de Jardim não é nada do outro
mundo, mas, em compensação, a sua esperteza parece não ter limites. Como
limites parece não ter a nossa ingenuidade. Imaginar aquele Berlusconi madeirense fora
dos salões e dos gabinetes reservados do poder era o que se poderá chamar um
não-ser absoluto, uma contradição em termos. Jardim nasceu para mandar e
mandará até ao seu último suspiro. Detestando Portugal como detesta, nunca
aceitaria ser presidente da República, bastar-lhe-á sê-lo de Madeira,
Porto Santo e Selvagens. No fundo, o
que a proposta de lei pretende é estabelecer em Portugal uma constituição configurada
à sua própria medida, isto é, curta, redonda, sem bicos.
Uma das
pontas incómodas que o querido leader
madeirense desejaria capar é o negregado comunismo. Receio bem que venha a
partir os dentes no intento. Os comunistas têm uma longa e dura experiência de
vida na clandestinidade, ilegalizá-los equivaleria a ter de levantar todas as
pedras espalhadas por esse Portugal fora para ver se haveria algum escondido
debaixo delas. O mais interessante nas próximas horas será o festival de falsos
patriotismos que explodirá na Assembleia
Regional, com os oradores abraçados às insígnias locais e algum possível
espezinhamento e queima da bandeira das quinas por causa dos dois terços de cor
vermelha que congestionam ainda mais as rubicundas faces de Jardim. Também será
interessante ver como Manuela Ferreira Leite,
esse lince da política continental, descalçará esta bota. Recomendo aos meus
quatro leitores que estejam atentos aos acontecimentos. Vão ter algo que contar
aos seus netos.
José Saramago, O CADERNO
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