Leituras para o Verão
Com os
primeiros calores, já se sabe, é fatal como o destino, jornais e revistas, e
uma vez por outra alguma televisão de gostos excêntricos, vêm perguntar ao
autor destas linhas que livros recomendaria ele para ler no Verão. Tenho-me
furtado sempre a responder, porquanto considero a leitura actividade
suficientemente importante para dever ocupar-nos durante todo o ano, este em
que estamos e todos os que vierem. Um dia, perante a insistência de um
jornalista teimoso que não me largava a porta, resolvi ladear a questão de uma
vez por todas, definindo o que então chamei a minha «família de espírito», na
qual, escusado será dizer, faria figura de último dos primos. Não foi uma simples
lista de nomes, cada um deles levava a sua pequena justificação para que melhor
se entendesse a escolha dos parentes. Incluí nos Cadernos de Lanzarote a imagem
final da «árvore genealógica» que me tinha atrevido a esboçar e repito-a aqui
para ilustração dos curiosos. Em primeiro lugar vinha Camões porque,
como escrevi em O Ano da Morte
de Ricardo Reis, todos os caminhos portugueses a ele vão dar.
Seguiam-se depois o Padre António Vieira, porque a língua portuguesa nunca foi
mais bela que quando a escreveu esse jesuíta, Cervantes, porque
sem o autor do Quixote a Península
Ibérica seria uma casa sem telhado, Montaigne, porque não
precisou de Freud para saber
quem era, Voltaire, porque
perdeu as ilusões sobre a humanidade e sobreviveu ao desgosto, Raul Brandão, porque
não é necessário ser um génio para escrever um livro genial, o Húmus, Fernando Pessoa, porque
a porta por onde se chega a ele é a porta por onde se chega a Portugal (já
tínhamos Camões, mas ainda nos faltava um Pessoa), Kafka, porque demonstrou que o
homem é um coleóptero, Eça de Queiroz,
porque ensinou a ironia aos portugueses, Jorge Luis Borges,
porque inventou a literatura virtual, e, finalmente, Gogol, porque contemplou a vida
humana e achou-a triste. Que tal? Permitam-me agora os leitores uma sugestão.
Organizem também a sua lista, definam a «família de espírito» literária a que
mais se sentem ligados. Será uma boa ocupação para uma tarde na praia ou no
campo. Ou em casa, se o dinheiro não deu para férias este ano.
José Saramago, O CADERNO
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