Justiça (processo "Casa Pia")
Comunicação do Presidente da República ao País
05 de Janeiro de 2004
No ano que agora terminou, entendi ter pública intervenção nos temas do chamado processo da Casa Pia sempre que esteve em causa assegurar, como compete ao Presidente da República, o adequado funcionamento do Estado de Direito, sobretudo no que respeita aos direitos quer das vítimas, quer dos arguidos.
Não se tratou - e nem de outro modo poderia ser - de emitir quaisquer juízos sobre a culpa ou a inocência de quem quer que seja, ou de interferir, por qualquer forma, na marcha do processo.
Acontece é que foi a marcha do processo, ou melhor dizendo, a sua ilegítima divulgação, que veio interferir com o Chefe do Estado e o respeito que lhe é devido.
E isto porque, no passado dia 1 de Janeiro, um jornal de referência, aliás o único que se publicava nesse dia, deu nota, com grande destaque, e em violação do segredo de Justiça, da existência, no mesmo processo, de uma carta anónima, em que é insultuosamente envolvido o Presidente da República, com o alarido mediático a que a notícia veio a dar lugar.
Trata-se de crimes que terão de ser punidos, na sede e momento próprios, pois não é legítimo que o Chefe do Estado deixe passar em claro ofensas que têm as mais graves consequências no respeito e consideração que são devidas ao Presidente da República.
Mas a questão essencial, aqui e agora, no que respeita ao regular funcionamento das instituições que me compete garantir, não é, obviamente, a defesa da honra e reputação do Chefe do Estado; tão pouco se trata da indispensabilidade de serem emitidas instruções, por quem de direito, que, no estrito respeito da lei, evitem, no futuro, inúteis e sempre irreparáveis lesões do bom nome e reputação das pessoas.
Decisivo para o Estado de Direito e para a enorme dívida que a comunidade tem para com as crianças da Casa Pia, é, sim, que sejam criadas, de imediato, condições para que a acusação já proferida e as provas que a acompanhem possam vir a ser apreciadas por aquilo que elas valham - repito, por aquilo que elas valham -, e não pelos erros procedimentais, sejam da Acusação, sejam da Defesa, ou mesmo de magistrados judiciais.
E isto na medida em que tais erros, se enfraquecem a credibilidade técnica dos seus responsáveis, podem em nada interferir com a verdade ou a falsidade das culpas imputadas aos arguidos.
Ora a sistemática violação do segredo de Justiça e a confrontação mediática dos vários operadores judiciários - actuem, ou não, com a respectiva veste institucional - a esgrimir razões e contrarazões, a propósito de tudo e nada que se relacione com o chamado processo da Casa Pia, são um risco demasiado grave para um apuramento genuíno de responsabilidades, que se impõe pôr-lhe cobro.
Por isso, mais do que proclamar a minha confiança no esforço que é exigido às autoridades judiciárias para que façam respeitar a lei e reprimir as suas violações, faço um apelo veemente ao sentido de cidadania dos profissionais da comunicação social e dos agentes da Justiça, para que passem a actuar com a maior contenção e a maior reserva, no estrito limite do dever de informar e de dar informação, e assim contribuam para que os tribunais possam fazer aquilo que só a eles compete – administrar Justiça.
É essa Justiça que devemos aos arguidos; e, sobretudo, às vítimas, para que a reboque de habilidosas estratégias ou de irregularidades instrumentais, não lhes seja feita essa última e intolerável injúria que seria condenar inocentes ou absolver culpados.
E isso, sim, importa tudo ao Estado de Direito que tenho o dever de garantir e sem o qual ficam em risco as instituições da República e o seu funcionamento.
Não se tratou - e nem de outro modo poderia ser - de emitir quaisquer juízos sobre a culpa ou a inocência de quem quer que seja, ou de interferir, por qualquer forma, na marcha do processo.
Acontece é que foi a marcha do processo, ou melhor dizendo, a sua ilegítima divulgação, que veio interferir com o Chefe do Estado e o respeito que lhe é devido.
E isto porque, no passado dia 1 de Janeiro, um jornal de referência, aliás o único que se publicava nesse dia, deu nota, com grande destaque, e em violação do segredo de Justiça, da existência, no mesmo processo, de uma carta anónima, em que é insultuosamente envolvido o Presidente da República, com o alarido mediático a que a notícia veio a dar lugar.
Trata-se de crimes que terão de ser punidos, na sede e momento próprios, pois não é legítimo que o Chefe do Estado deixe passar em claro ofensas que têm as mais graves consequências no respeito e consideração que são devidas ao Presidente da República.
Mas a questão essencial, aqui e agora, no que respeita ao regular funcionamento das instituições que me compete garantir, não é, obviamente, a defesa da honra e reputação do Chefe do Estado; tão pouco se trata da indispensabilidade de serem emitidas instruções, por quem de direito, que, no estrito respeito da lei, evitem, no futuro, inúteis e sempre irreparáveis lesões do bom nome e reputação das pessoas.
Decisivo para o Estado de Direito e para a enorme dívida que a comunidade tem para com as crianças da Casa Pia, é, sim, que sejam criadas, de imediato, condições para que a acusação já proferida e as provas que a acompanhem possam vir a ser apreciadas por aquilo que elas valham - repito, por aquilo que elas valham -, e não pelos erros procedimentais, sejam da Acusação, sejam da Defesa, ou mesmo de magistrados judiciais.
E isto na medida em que tais erros, se enfraquecem a credibilidade técnica dos seus responsáveis, podem em nada interferir com a verdade ou a falsidade das culpas imputadas aos arguidos.
Ora a sistemática violação do segredo de Justiça e a confrontação mediática dos vários operadores judiciários - actuem, ou não, com a respectiva veste institucional - a esgrimir razões e contrarazões, a propósito de tudo e nada que se relacione com o chamado processo da Casa Pia, são um risco demasiado grave para um apuramento genuíno de responsabilidades, que se impõe pôr-lhe cobro.
Por isso, mais do que proclamar a minha confiança no esforço que é exigido às autoridades judiciárias para que façam respeitar a lei e reprimir as suas violações, faço um apelo veemente ao sentido de cidadania dos profissionais da comunicação social e dos agentes da Justiça, para que passem a actuar com a maior contenção e a maior reserva, no estrito limite do dever de informar e de dar informação, e assim contribuam para que os tribunais possam fazer aquilo que só a eles compete – administrar Justiça.
É essa Justiça que devemos aos arguidos; e, sobretudo, às vítimas, para que a reboque de habilidosas estratégias ou de irregularidades instrumentais, não lhes seja feita essa última e intolerável injúria que seria condenar inocentes ou absolver culpados.
E isso, sim, importa tudo ao Estado de Direito que tenho o dever de garantir e sem o qual ficam em risco as instituições da República e o seu funcionamento.
# posto por Rato da Costa @ 6.1.04
O processo casa Pia. Um caso de justiça.
Todos os processos são importantes. O processo Casa Pia é, sem qualquer dúvida, um processo importante. A importância deste ou de qualquer outro processo afere-se, em primeira linha, numa sociedade de liberdade e de dignidade como é a nossa, ou como a nossa diz ser, nos textos legais mais importantes, a Constituição da República Portuguesa, pela tutela da lesão da vida, da liberdade ou/e pela lesão da dignidade das pessoas, que com esses processos se visou lograr. No caso concreto tutelaram-se alguns desses valores, de que eram vítimas menores, e no segmento de externalização mais sagrado do ser humano, a sua liberdade de dispor do seu corpo.
Não pondo ninguém em dúvida esses valores, razões há para admitir que, esses valores e as pessoas que os detinham foram, insuportavelmente, sacrificadas, por alguns que, agora, clamam por justiça.
A justiça não pode ser o anti-depressivo dos problemas, vários, que as pessoas transportam consigo, fruto do seu quotidiano. A justiça, que deve ser dita, é a justiça que deve ser ponderada num momento em que todos, salvaguardando, em primeiro lugar, as crianças, disponham de liberdade. A mesma justiça, todavia, exige a liberdade de os arguidos serem ouvidos, serem acusados, serem defendidos e se for caso disso, de serem condenados.
A justiça que se ouve, para aí, alguns clamarem, assemelha-se mais a um incitamento para um linchamento.
Fritz Lang, que era alemão e teve de fugir do nazi-fascismo para os Estados Unidos, fez um filme sobre o linchamento, “Furie”, em 1936, um filme violento, quase feroz, acerca da culpabilidade, verdadeira ou possível, de um homem perseguido pela cegueira, pela incompreensão dos homens. Nicholas Ray, em “Johnny Guitar”, realizado em 1954 coloca a heroína, Vienna, na forca, por causa de uma instigação de uma fanática moralista e de uma multidão fanatizada por ela e pelo banqueiro local.
Estes casos, como, agora, o próximo julgamento de Saddam Hussein, no Iraque, são casos em que, tranquilamente, as pessoas podem dormir descansadas, porque já se sabe de antemão o resultado do julgamento.
Representam a fase Kafkiana das sociedades quando estas vivem grandes crises e precisam de punir culpados para se purgarem. O vulgar cidadão, então, vive de medo, da denúncia, do processo, do castigo.
No processo Casa Pia tal não tem acontecido. Espera-se que, no futuro, tal não venha a acontecer. Espera-se que se faça justiça e que este país seja digno do esforço que está a ser feito para que ela seja dita, de uma forma digna, pois o mais trágico que poderia acontecer, agora, era que factores estranhos viessem a alterar a marcha do processo.
O processo Casa Pia, e é preciso dizer-se isto, é o processo da sociedade contra aqueles que foram acusados. Estes podem defender-se. Não há, a priori, condenados. O direito há-de ser dito, tranquilamente. Se se vier a provar que algum ou alguns foram os culpados, os autores de crimes odiosos, serão condenados.
A democracia está a ser jogada, neste processo, está a ser julgada a capacidade de aferirmos se estamos preparados para viver numa sociedade democrática.
O esclarecimento do caso Casa Pia deve ser dado pela única entidade capaz de o fazer, os Tribunais.
P. B.
# posto por Rato da Costa @ 6.1.04
Não pondo ninguém em dúvida esses valores, razões há para admitir que, esses valores e as pessoas que os detinham foram, insuportavelmente, sacrificadas, por alguns que, agora, clamam por justiça.
A justiça não pode ser o anti-depressivo dos problemas, vários, que as pessoas transportam consigo, fruto do seu quotidiano. A justiça, que deve ser dita, é a justiça que deve ser ponderada num momento em que todos, salvaguardando, em primeiro lugar, as crianças, disponham de liberdade. A mesma justiça, todavia, exige a liberdade de os arguidos serem ouvidos, serem acusados, serem defendidos e se for caso disso, de serem condenados.
A justiça que se ouve, para aí, alguns clamarem, assemelha-se mais a um incitamento para um linchamento.
Fritz Lang, que era alemão e teve de fugir do nazi-fascismo para os Estados Unidos, fez um filme sobre o linchamento, “Furie”, em 1936, um filme violento, quase feroz, acerca da culpabilidade, verdadeira ou possível, de um homem perseguido pela cegueira, pela incompreensão dos homens. Nicholas Ray, em “Johnny Guitar”, realizado em 1954 coloca a heroína, Vienna, na forca, por causa de uma instigação de uma fanática moralista e de uma multidão fanatizada por ela e pelo banqueiro local.
Estes casos, como, agora, o próximo julgamento de Saddam Hussein, no Iraque, são casos em que, tranquilamente, as pessoas podem dormir descansadas, porque já se sabe de antemão o resultado do julgamento.
Representam a fase Kafkiana das sociedades quando estas vivem grandes crises e precisam de punir culpados para se purgarem. O vulgar cidadão, então, vive de medo, da denúncia, do processo, do castigo.
No processo Casa Pia tal não tem acontecido. Espera-se que, no futuro, tal não venha a acontecer. Espera-se que se faça justiça e que este país seja digno do esforço que está a ser feito para que ela seja dita, de uma forma digna, pois o mais trágico que poderia acontecer, agora, era que factores estranhos viessem a alterar a marcha do processo.
O processo Casa Pia, e é preciso dizer-se isto, é o processo da sociedade contra aqueles que foram acusados. Estes podem defender-se. Não há, a priori, condenados. O direito há-de ser dito, tranquilamente. Se se vier a provar que algum ou alguns foram os culpados, os autores de crimes odiosos, serão condenados.
A democracia está a ser jogada, neste processo, está a ser julgada a capacidade de aferirmos se estamos preparados para viver numa sociedade democrática.
O esclarecimento do caso Casa Pia deve ser dado pela única entidade capaz de o fazer, os Tribunais.
P. B.
# posto por Rato da Costa @ 6.1.04
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