Da República penalizada à justiça paralisada (III)
Sequela III
Do direito in “the books” até à questão política do direito penal.
O direito penal primário legislado tem revelado, por parte de legislador, nomeadamente até à reforma de 1995, uma preocupação de representar o âmbito do criminalmente punido como um mínimo. No preâmbulo do Código Penal de 1982, versão original, lê-se, no ponto III, 18, e citamos:
“Tanto pela sistematização seguida como pelo conteúdo da ilicitude concretamente tipicizada, o Código assume-se deliberadamente como ordenamento jurídico-penal de uma sociedade aberta e de um Estado democraticamente legitimado. Optou conscientemente pela maximização das áreas de tolerância em relação a condutas ou formas de vida que, relevando de particulares mundividências morais e culturais, não põem directamente em causa os bens jurídico-penais nem desencadeiam intoleráveis danos sociais. Noutros termos, o Código circunscreve o âmbito do criminalmente punido a um mínimo.”
Na revisão do Código Penal de 1995, efectuada através do DL n.º 48/95, de 15.03, lê-se no ponto 2 do referido Diploma o seguinte, e citamos:No ponto 7 do mesmo DL, lê-se o seguinte, e citamos:
“Entre os vários propósitos que justificam a revisão destaca-se a necessidade de corrigir o desequilíbrio entre as penas previstas para os crimes contra as pessoas e os crimes contra o património, propondo-se uma substancial agravação para as primeiras. Assume-se ainda a importância de reorganizar o sistema global de penas para a pequena e média criminalidade com vista a permitir, por um lado, um adequado recurso às medidas alternativas às penas curtas de prisão, cujos efeitos criminógenos são pacificamente reconhecidos, e, por outro, concentrar esforços no combate à grande criminalidade.”
“Outro capítulo objecto de alterações de relevo é o dos crimes contra o Estado. A descriminalização de algumas infracções contra a segurança do Estado e contra a autoridade pública reside na consideração de que num Estado de direito democrático estabilizado a tutela penal deve restringir-se a atentados que impliquem o recurso indevido a violência ou formas análogas de actuação.
Optou-se por deixar fora do Código Penal a punição de muitas condutas cuja dignidade penal é hoje já pacífica e consensual, mas que razões de técnica legislativa aconselham que constituam objecto de legislação extravagante. É o que sucede, para além das condutas que devam ser imputadas às pessoas colectivas enquanto tais, em matérias como a criminalidade informática, o branqueamento de capitais ou os atentados contra a integridade e identidade genéticas.
Por fim, cumpre assinalar um conjunto significativo, se bem que limitado, de propostas de neocriminalização, resultante quer da revelação de novos bens jurídico-penais ou de novas modalidades de agressão ou perigo, quer de compromissos internacionais assumidos ou em vias de o serem por Portugal. Como exemplos de neocriminalização destacamos: a propaganda do suicídio (artigo 139.°), a perturbação da paz e do sossego (artigo 190.°, n.°2), a burla informática (artigo 221.°), o abuso de cartão de garantia ou de crédito (artigo 225.°), a tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos (artigos 243.° e 244.°), os instrumentos de escuta telefónica (artigo 276.°), os danos contra a natureza (artigo 278.°), a poluição (artigo 279.°).
Temos, por um lado um discurso político-legislativo favorável ou tendencialmente favorável, a um direito penal mínimo, que se revela em sucessivos processos de descriminalização, ao mesmo tempo que se legisla contradizendo o discurso inicial, no sentido de criminalizar novos comportamentos.
O arquipélago penal vê, por um lado serem apagados, descriminalizados certos tipos de comportamentos, que correspondem a normas que perderam, já, a sua eficácia, reintegrando-se o referido arquipélago penal por normas incriminadoras ditadas por finalidades simbólicas diversas.
Temos, assim, que o direito penal mínimo, neste acende/apaga do legislador, não deixa de fazer transparecer a ilusão de que a quantidade da justiça penal depende, em última instância, de uma escolha do legislador.
Porém, este programa legislativo não tem meios para passar da “law in the books” para a “law in action”, unicamente pela palavra mágica do legislador. É necessário que, a par das palavras do legislador, existam condições sociais e politicas para levar a cabo o programa legislativo traçado.
Se houver coragem do poder político e da sociedade civil, pode-se levar a cabo o propósito do legislador. Para isso, é preciso conceber respostas diferentes para os problemas que, até aqui, são tratados pela lógica penal.
Esta questão conduz-nos a um dos a um dos problemas centrais das sociedades post-modernas, que é o de saber se o recurso sistemático ao direito penal é a consequência mais evidente da impotência de outros mecanismos institucionais e da crise das instituições de controlo.
Entendemos que a efectivação de um direito penal mínimo, efectivo, deve passar por uma revitalização da acção política, com vista a assegurar uma melhor protecção dos cidadãos, e por um papel mais activo da sociedade, para que se possam resolver os conflitos sem recorrer, por sistema, à autoridade do direito penal.
Não queria deixar de dizer que se torna necessário olhar a justiça portuguesa no quadro de um país inserido numa comunidade, a União Europeia, e que a discussão, para ser frutuosa, deve comportar todas as vozes e todos os ângulos do problema. Sem culpados antecipados, sem medidas avulsas, sem mais leis assistémicas, que se aproximam mais do simbolismo da cegueira da justiça do que das necessidades dos homens e do país.
P.B.
# posto por Rato da Costa @ 25.1.04
Do direito in “the books” até à questão política do direito penal.
O direito penal primário legislado tem revelado, por parte de legislador, nomeadamente até à reforma de 1995, uma preocupação de representar o âmbito do criminalmente punido como um mínimo. No preâmbulo do Código Penal de 1982, versão original, lê-se, no ponto III, 18, e citamos:
“Tanto pela sistematização seguida como pelo conteúdo da ilicitude concretamente tipicizada, o Código assume-se deliberadamente como ordenamento jurídico-penal de uma sociedade aberta e de um Estado democraticamente legitimado. Optou conscientemente pela maximização das áreas de tolerância em relação a condutas ou formas de vida que, relevando de particulares mundividências morais e culturais, não põem directamente em causa os bens jurídico-penais nem desencadeiam intoleráveis danos sociais. Noutros termos, o Código circunscreve o âmbito do criminalmente punido a um mínimo.”
Na revisão do Código Penal de 1995, efectuada através do DL n.º 48/95, de 15.03, lê-se no ponto 2 do referido Diploma o seguinte, e citamos:No ponto 7 do mesmo DL, lê-se o seguinte, e citamos:
“Entre os vários propósitos que justificam a revisão destaca-se a necessidade de corrigir o desequilíbrio entre as penas previstas para os crimes contra as pessoas e os crimes contra o património, propondo-se uma substancial agravação para as primeiras. Assume-se ainda a importância de reorganizar o sistema global de penas para a pequena e média criminalidade com vista a permitir, por um lado, um adequado recurso às medidas alternativas às penas curtas de prisão, cujos efeitos criminógenos são pacificamente reconhecidos, e, por outro, concentrar esforços no combate à grande criminalidade.”
“Outro capítulo objecto de alterações de relevo é o dos crimes contra o Estado. A descriminalização de algumas infracções contra a segurança do Estado e contra a autoridade pública reside na consideração de que num Estado de direito democrático estabilizado a tutela penal deve restringir-se a atentados que impliquem o recurso indevido a violência ou formas análogas de actuação.
Optou-se por deixar fora do Código Penal a punição de muitas condutas cuja dignidade penal é hoje já pacífica e consensual, mas que razões de técnica legislativa aconselham que constituam objecto de legislação extravagante. É o que sucede, para além das condutas que devam ser imputadas às pessoas colectivas enquanto tais, em matérias como a criminalidade informática, o branqueamento de capitais ou os atentados contra a integridade e identidade genéticas.
Por fim, cumpre assinalar um conjunto significativo, se bem que limitado, de propostas de neocriminalização, resultante quer da revelação de novos bens jurídico-penais ou de novas modalidades de agressão ou perigo, quer de compromissos internacionais assumidos ou em vias de o serem por Portugal. Como exemplos de neocriminalização destacamos: a propaganda do suicídio (artigo 139.°), a perturbação da paz e do sossego (artigo 190.°, n.°2), a burla informática (artigo 221.°), o abuso de cartão de garantia ou de crédito (artigo 225.°), a tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos (artigos 243.° e 244.°), os instrumentos de escuta telefónica (artigo 276.°), os danos contra a natureza (artigo 278.°), a poluição (artigo 279.°).
Temos, por um lado um discurso político-legislativo favorável ou tendencialmente favorável, a um direito penal mínimo, que se revela em sucessivos processos de descriminalização, ao mesmo tempo que se legisla contradizendo o discurso inicial, no sentido de criminalizar novos comportamentos.
O arquipélago penal vê, por um lado serem apagados, descriminalizados certos tipos de comportamentos, que correspondem a normas que perderam, já, a sua eficácia, reintegrando-se o referido arquipélago penal por normas incriminadoras ditadas por finalidades simbólicas diversas.
Temos, assim, que o direito penal mínimo, neste acende/apaga do legislador, não deixa de fazer transparecer a ilusão de que a quantidade da justiça penal depende, em última instância, de uma escolha do legislador.
Porém, este programa legislativo não tem meios para passar da “law in the books” para a “law in action”, unicamente pela palavra mágica do legislador. É necessário que, a par das palavras do legislador, existam condições sociais e politicas para levar a cabo o programa legislativo traçado.
Se houver coragem do poder político e da sociedade civil, pode-se levar a cabo o propósito do legislador. Para isso, é preciso conceber respostas diferentes para os problemas que, até aqui, são tratados pela lógica penal.
Esta questão conduz-nos a um dos a um dos problemas centrais das sociedades post-modernas, que é o de saber se o recurso sistemático ao direito penal é a consequência mais evidente da impotência de outros mecanismos institucionais e da crise das instituições de controlo.
Entendemos que a efectivação de um direito penal mínimo, efectivo, deve passar por uma revitalização da acção política, com vista a assegurar uma melhor protecção dos cidadãos, e por um papel mais activo da sociedade, para que se possam resolver os conflitos sem recorrer, por sistema, à autoridade do direito penal.
Não queria deixar de dizer que se torna necessário olhar a justiça portuguesa no quadro de um país inserido numa comunidade, a União Europeia, e que a discussão, para ser frutuosa, deve comportar todas as vozes e todos os ângulos do problema. Sem culpados antecipados, sem medidas avulsas, sem mais leis assistémicas, que se aproximam mais do simbolismo da cegueira da justiça do que das necessidades dos homens e do país.
P.B.
# posto por Rato da Costa @ 25.1.04
Outras Justiças
Justice Scalia's Misjudgment
Published: January 25, 2004 New York Times
This month may have been duck hunting season in Louisiana, but it was still a bad time for Justice Antonin Scalia to hunt ducks with Vice President Dick Cheney. Their trip came shortly after the Supreme Court agreed to hear Mr. Cheney's appeal of an order requiring him to disclose members of his secret energy task force. By going, Justice Scalia raised serious questions about his ability to judge the case impartially, and needlessly sullied his court's reputation.
Environmental groups and others have long suspected that the Cheney task force, which met to devise a national energy strategy in 2001, gave representatives for the oil, electricity and nuclear industries - many of them large Republican donors - undue influence. A federal appeals court ruled in a case brought by two public-interest groups that at least some of the names should be made public.
Justice Scalia told The Los Angeles Times that social contacts between judges and officials with cases pending are permissible when officials are sued in the course of their public duties. He compared his situation to justices' dining at the White House when a suit involving a president is pending. But vacationing with a litigant in a small group, outside the public eye, raises a far greater appearance of impropriety than attending a White House dinner. And Mr. Cheney's case involves not just any action, but one calling his integrity into question.
This is the second time in recent months Justice Scalia has cast doubt on his impartiality. Last year, he told a civic gathering that the decision about whether the Pledge of Allegiance should contain the words "under God" should be left to legislators, not courts, when that issue was headed to the court. After a litigant protested, Justice Scalia recused himself.
To avoid the appearance of partiality, and to protect the reputation of the court, he should do the same in Mr. Cheney's case. And in the future, he should choose his shooting companions from the legions of hunters with no cases pending before him.
Nota: Scalia é juiz do Supremo Tribunal de Justiça designado pelo presidente Ronald Reagan em 1986
Quem é ? E quem parece?
Scalia (Sung to the tune of "Maria" from the musical "West Side Story")
# posto por til @ 25.1.04
Published: January 25, 2004 New York Times
This month may have been duck hunting season in Louisiana, but it was still a bad time for Justice Antonin Scalia to hunt ducks with Vice President Dick Cheney. Their trip came shortly after the Supreme Court agreed to hear Mr. Cheney's appeal of an order requiring him to disclose members of his secret energy task force. By going, Justice Scalia raised serious questions about his ability to judge the case impartially, and needlessly sullied his court's reputation.
Environmental groups and others have long suspected that the Cheney task force, which met to devise a national energy strategy in 2001, gave representatives for the oil, electricity and nuclear industries - many of them large Republican donors - undue influence. A federal appeals court ruled in a case brought by two public-interest groups that at least some of the names should be made public.
Justice Scalia told The Los Angeles Times that social contacts between judges and officials with cases pending are permissible when officials are sued in the course of their public duties. He compared his situation to justices' dining at the White House when a suit involving a president is pending. But vacationing with a litigant in a small group, outside the public eye, raises a far greater appearance of impropriety than attending a White House dinner. And Mr. Cheney's case involves not just any action, but one calling his integrity into question.
This is the second time in recent months Justice Scalia has cast doubt on his impartiality. Last year, he told a civic gathering that the decision about whether the Pledge of Allegiance should contain the words "under God" should be left to legislators, not courts, when that issue was headed to the court. After a litigant protested, Justice Scalia recused himself.
To avoid the appearance of partiality, and to protect the reputation of the court, he should do the same in Mr. Cheney's case. And in the future, he should choose his shooting companions from the legions of hunters with no cases pending before him.
Nota: Scalia é juiz do Supremo Tribunal de Justiça designado pelo presidente Ronald Reagan em 1986
Quem é ? E quem parece?
Scalia (Sung to the tune of "Maria" from the musical "West Side Story")
# posto por til @ 25.1.04
Da República penalizada à justiça paralisada (II)
Sequela II
Porque é que a justiça não pára de engordar.
Porque é que o legislador não pára de penalizar a República.
A este propósito, é bom lembrar Massimo Vogliotti quando escreve, e citamos:
« Les dénonciations de l'ineffectivité du droit pénal ne font plus notice. Pour ne donner qu'un seul exemple, l'année passée, à l'occasion de sa mercuriale, le procureur général de la Cour de Cassation italienne a dénoncé le fait que le nombre des délits dont les auteurs sont inconnus a rejoint le chiffre de 86 %. Lorsque le décalage entre l'input et l'output pénal dépasse les non limites physiologiques, la légitimité du système des délits et des peines est mise radicalement en cause. Celle-ci est liée de façon indissoluble à la confiance des citoyens dans l'impartialité de l'action judiciaire. Or, à partir du moment où l'infraction s'éloigne de la logique moderne de la sécurité pour se réduire à pur «risque social», lié à une multiplicité de variables contingentes qui échappent au contrôle de légalité, l'action des juges et, notamment, des procureurs, ne peut qu'être atteinte du soupçon de l'arbitraire et s'exposer facilement aux accusations de politicisation qui sont dévastatrices pour l'équilibre délicat des institutions démocratiques.»
Mais à frente, escreve o mesmo autor:
«D'autre part, suite aussi à la crise actuelle des conceptions instrumentales de la prévention et de la réhabilitation, le droit pénal semble s'orienter de plus en plus vers des fonctions symboliques. La peine s'adresserait moins aux contrevenants potentiels qu'aux citoyens respectueux de l'ordre juridique. Sa fonction principale consisterait à restaurer la confiance des citoyens dans les institutions, par le renforcement de la validité des normes. Le système pénal ne chercherait pas tant la production d'une sécurité réelle pour les biens juridiques, qu'une «illusion de sécurité». Au lieu de concevoir des remèdes plus sophistiqués et incisifs, le législateur exploite ainsi les ressources symboliques du droit pénal pour apaiser momentanément les malaises de la société Suite à ces changements, le droit pénal tend à perdre sa fonction de gardien de la morale dominante de la communauté, pour devenir un instrument de fabrication d'un ethos commun minimal à l'intérieur d'une société qui est de plus en plus morcelée et déboussolée. Face à la délitescence des communautés traditionnelles, certaines délits qui mettent en cause les règles les plus fondamentales de la société, comme, par exemple, la pédophilie ou le parricide, ou les rites de purification sociale célébrés à l'occasion des affaires «mains propres» ont fini par exercer une fonction de création de liens sociaux. Comme le note Z. Bauman, affaires de ce type offrent à des individus en quête de sens et repliés sur eux-mêmes une cause et un ennemi communs, autour desquels, au moins pour un certain temps, «faire société». Du coup, «le droit pénal apparaît comme l'ultime expression de la morale commune, la dernière source de sens dans un monde dont les repères mobiles et les cadres flottants creusent l'inquiétude et suscitent le malaise».
Outre cette fonction de morale de remplacement, la justice pénale se voit de plus en plus confier la gestion par défaut de toute une série de situations problèmes que le système politique et la société civile n'arrivent plus à maîtriser par eux-mêmes. Ainsi, des problèmes sociaux et politiques de grande envergure comme la toxicomanie, l'immigration, la mafia, la corruption de l'activité administrative, la protection de l'environnement et de la santé, ou la restauration du sentiment de sécurité dans les villes, finissent par être traités principalement par la logique pénale.»
Desta forma, podemos dizer que a justiça engordou tanto que, naturalmente, todas as questões sociais, desde o mundo do Futebol até aos problemas da governação, passam pelos Tribunais Penais.
É a resposta a esta questão que esperamos que o os outros poderes do Estado nos dêem, respondendo desta forma ao país. Porque é que a justiça não pára de engordar, porque é que o legislador não deixa de penalizar a República?
# posto por Rato da Costa @ 25.1.04
Porque é que a justiça não pára de engordar.
Porque é que o legislador não pára de penalizar a República.
A este propósito, é bom lembrar Massimo Vogliotti quando escreve, e citamos:
« Les dénonciations de l'ineffectivité du droit pénal ne font plus notice. Pour ne donner qu'un seul exemple, l'année passée, à l'occasion de sa mercuriale, le procureur général de la Cour de Cassation italienne a dénoncé le fait que le nombre des délits dont les auteurs sont inconnus a rejoint le chiffre de 86 %. Lorsque le décalage entre l'input et l'output pénal dépasse les non limites physiologiques, la légitimité du système des délits et des peines est mise radicalement en cause. Celle-ci est liée de façon indissoluble à la confiance des citoyens dans l'impartialité de l'action judiciaire. Or, à partir du moment où l'infraction s'éloigne de la logique moderne de la sécurité pour se réduire à pur «risque social», lié à une multiplicité de variables contingentes qui échappent au contrôle de légalité, l'action des juges et, notamment, des procureurs, ne peut qu'être atteinte du soupçon de l'arbitraire et s'exposer facilement aux accusations de politicisation qui sont dévastatrices pour l'équilibre délicat des institutions démocratiques.»
Mais à frente, escreve o mesmo autor:
«D'autre part, suite aussi à la crise actuelle des conceptions instrumentales de la prévention et de la réhabilitation, le droit pénal semble s'orienter de plus en plus vers des fonctions symboliques. La peine s'adresserait moins aux contrevenants potentiels qu'aux citoyens respectueux de l'ordre juridique. Sa fonction principale consisterait à restaurer la confiance des citoyens dans les institutions, par le renforcement de la validité des normes. Le système pénal ne chercherait pas tant la production d'une sécurité réelle pour les biens juridiques, qu'une «illusion de sécurité». Au lieu de concevoir des remèdes plus sophistiqués et incisifs, le législateur exploite ainsi les ressources symboliques du droit pénal pour apaiser momentanément les malaises de la société Suite à ces changements, le droit pénal tend à perdre sa fonction de gardien de la morale dominante de la communauté, pour devenir un instrument de fabrication d'un ethos commun minimal à l'intérieur d'une société qui est de plus en plus morcelée et déboussolée. Face à la délitescence des communautés traditionnelles, certaines délits qui mettent en cause les règles les plus fondamentales de la société, comme, par exemple, la pédophilie ou le parricide, ou les rites de purification sociale célébrés à l'occasion des affaires «mains propres» ont fini par exercer une fonction de création de liens sociaux. Comme le note Z. Bauman, affaires de ce type offrent à des individus en quête de sens et repliés sur eux-mêmes une cause et un ennemi communs, autour desquels, au moins pour un certain temps, «faire société». Du coup, «le droit pénal apparaît comme l'ultime expression de la morale commune, la dernière source de sens dans un monde dont les repères mobiles et les cadres flottants creusent l'inquiétude et suscitent le malaise».
Outre cette fonction de morale de remplacement, la justice pénale se voit de plus en plus confier la gestion par défaut de toute une série de situations problèmes que le système politique et la société civile n'arrivent plus à maîtriser par eux-mêmes. Ainsi, des problèmes sociaux et politiques de grande envergure comme la toxicomanie, l'immigration, la mafia, la corruption de l'activité administrative, la protection de l'environnement et de la santé, ou la restauration du sentiment de sécurité dans les villes, finissent par être traités principalement par la logique pénale.»
Desta forma, podemos dizer que a justiça engordou tanto que, naturalmente, todas as questões sociais, desde o mundo do Futebol até aos problemas da governação, passam pelos Tribunais Penais.
É a resposta a esta questão que esperamos que o os outros poderes do Estado nos dêem, respondendo desta forma ao país. Porque é que a justiça não pára de engordar, porque é que o legislador não deixa de penalizar a República?
# posto por Rato da Costa @ 25.1.04
Adultérios
Voto de vencido num acórdão de um Tribunal da Relação que declarou o divórcio pelos adultérios do marido e da mulher, ainda que relativamente a esta como principal culpada.
Vencido. Daria provimento ao recurso pois o adultério da mulher já comprometeu a possibilidade de vida em comum muito antes do homem ter começado a viver com outra mulher. Por isso ele saíu da casa conjugal com o consentimento da mulher quando soube que ela tinha cometido o adultério. Ora se o homem não fosse viver com outra mulher podia pedir da mesma forma em que o fez o divórcio e ele não poderia ser negado. Isto mostra que o facto dele não foi a causa do divórcio. Por mais que se diga que o adultério da mulher é igual ao do marido há uma circunstância que sempre obstará a tal igualdade - o adultério da mulher pode trazer ao marido um filho legal que na verdade não é filho dele e isto é uma coisa terrível - estar a tratar como filho uma criança filha do amante da mulher.
Ora pelo que respeita ao adultério do marido tal não pode acontecer - só são considerados filhos dela aqueles que ela na verdade procriou. Além disso os especialistas na matéria afirmam que a atitude da mulher ao praticar o adultério é completamente diferente da do homem. Após a prática normal das relações sexuais, no organismo da mulher ficam espermatozoides do homem e estes podem até vir a fecundar a mulher depois em cópula com o próprio marido - daí a turbatio sanguinis.
Mas no organismo do homem não ficam vestígios da mulher. Muitos outros argumentos se poderiam apresentar.
# posto por til @ 25.1.04
Vencido. Daria provimento ao recurso pois o adultério da mulher já comprometeu a possibilidade de vida em comum muito antes do homem ter começado a viver com outra mulher. Por isso ele saíu da casa conjugal com o consentimento da mulher quando soube que ela tinha cometido o adultério. Ora se o homem não fosse viver com outra mulher podia pedir da mesma forma em que o fez o divórcio e ele não poderia ser negado. Isto mostra que o facto dele não foi a causa do divórcio. Por mais que se diga que o adultério da mulher é igual ao do marido há uma circunstância que sempre obstará a tal igualdade - o adultério da mulher pode trazer ao marido um filho legal que na verdade não é filho dele e isto é uma coisa terrível - estar a tratar como filho uma criança filha do amante da mulher.
Ora pelo que respeita ao adultério do marido tal não pode acontecer - só são considerados filhos dela aqueles que ela na verdade procriou. Além disso os especialistas na matéria afirmam que a atitude da mulher ao praticar o adultério é completamente diferente da do homem. Após a prática normal das relações sexuais, no organismo da mulher ficam espermatozoides do homem e estes podem até vir a fecundar a mulher depois em cópula com o próprio marido - daí a turbatio sanguinis.
Mas no organismo do homem não ficam vestígios da mulher. Muitos outros argumentos se poderiam apresentar.
# posto por til @ 25.1.04
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