Ainda o controlo judicial dos arquivamentos pelos M.mos juízes!
Dignos Cordoeiros:
Sua Excelência, o Senhor PR, desafiou o poder legislativo a ponderar se os despachos de arquivamento do MP não deveriam ser controlados pelos M.mos juízes, para certificação da legalidade do despacho do MP (o desafio não era para nós, humildes cidadãos, pois, como bem tem sido referido por Ex.mos bloguistas e outros, só depois de serem introduzidas alterações, em sede de revisão constitucional e do CPP, seria possível adoptar tal «novo figurino» processual penal).
Para que se possa aquilatar das potencialidades das inovações propostas por S.ª Ex.ª, resolvi mandar para a blogosfera uma pequena amostra, colhida na base de dados oficial da jurisprudência da relação do Porto (http://www.dgsi.pt/), da jurisprudência já produzida pela magistratura judicial portuguesa, assim sumariada:
"A afirmação de que a conduta de alguém é leviana, descabida, desajustada, prepotente, doentia, premeditada e altamente provocatória não configura um crime de difamação. O direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere a susceptibilidade do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa possa ter apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros" - acórdão de 03/11/26, irrecorrível, pelo que a «certificação da legalidade» desta decisão, tomada por 3 juízes desembargadores, não é possível.
E, já agora, Sua Excelência, o Senhor PR, não se sentiria (justamente) ofendido na sua honra e consideração, se dissessemos que o desafio que lançou no seu discurso na abertura do Ano Judicial pode ser tomado como uma conduta leviana e descabida (nem sequer ousamos prosseguir com os epítetos injuriosos...)?
CMR
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
"A afirmação de que a conduta de alguém é leviana, descabida, desajustada, prepotente, doentia, premeditada e altamente provocatória não configura um crime de difamação. O direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere a susceptibilidade do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa possa ter apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros" - acórdão de 03/11/26, irrecorrível, pelo que a «certificação da legalidade» desta decisão, tomada por 3 juízes desembargadores, não é possível.
E, já agora, Sua Excelência, o Senhor PR, não se sentiria (justamente) ofendido na sua honra e consideração, se dissessemos que o desafio que lançou no seu discurso na abertura do Ano Judicial pode ser tomado como uma conduta leviana e descabida (nem sequer ousamos prosseguir com os epítetos injuriosos...)?
CMR
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
Eu também discordo
Eu confesso que não percebo nada de política de justiça. Vou sabendo algumas coisitas de direito e um ou duas coisas da vida. Mas, francamente, não vislumbro vantagens em que o arquivamento dos inquéritos seja escrutinado por um juiz, como parece ser vontade do nosso P.R.. Para além dos argumentos que já foram vastamente explicitados noutros textos deste blog, creio que tal medida apenas contribuirá para aumentar a lentidão da Justiça.
Quanto ao mais, todo este frenesim só vem confirmar o que disse nos primeiros debates televisivos em que participei, logo no início do caso Casa Pia: ou todos os operadores judiciários e a classe política encaravam o processo com contenção e sem cedências às emoções, ou não tardaria a abrir-se uma guerra entre as corporações ligadas ao direito. Nesses mesmos debates, houve juízes que entenderam que tal nunca poderia acontecer, porque os juízes, por definição, não deixam enredar-se em guerras de corporações. Não me parece que seja isso o que está a acontecer. Diria mesmo mais: começa a ser evidente que dentro das próprias corporações há já sinais de fracturas.
Julgo que, independentemente dos resultados, nada será igual na Justiça depois do caso Casa Pia. E se é verdade que muitas coisas necessitam de mudar nesta área, não estou certo de que a mudança venha a ser para melhor. Espero, sinceramente, estar enganado.
Coutinho Ribeiro
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
Quanto ao mais, todo este frenesim só vem confirmar o que disse nos primeiros debates televisivos em que participei, logo no início do caso Casa Pia: ou todos os operadores judiciários e a classe política encaravam o processo com contenção e sem cedências às emoções, ou não tardaria a abrir-se uma guerra entre as corporações ligadas ao direito. Nesses mesmos debates, houve juízes que entenderam que tal nunca poderia acontecer, porque os juízes, por definição, não deixam enredar-se em guerras de corporações. Não me parece que seja isso o que está a acontecer. Diria mesmo mais: começa a ser evidente que dentro das próprias corporações há já sinais de fracturas.
Julgo que, independentemente dos resultados, nada será igual na Justiça depois do caso Casa Pia. E se é verdade que muitas coisas necessitam de mudar nesta área, não estou certo de que a mudança venha a ser para melhor. Espero, sinceramente, estar enganado.
Coutinho Ribeiro
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
Equívocos
O que a Constituição diz, no seu artigo 219º, nº 1, é que ao Ministério Público compete, entre o mais, defender a legalidade democrática e que aos Juízes compete julgar.
O que a lei diz é que o Ministério Público deve defender a independência dos tribunais, na área das suas atribuições, e "...velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis...". Isto que a Constituição diz e a lei diz é muito diferente de vir agora a "função jurisdiconal" fiscalizar quem fiscaliza se a mesma função é exercida conforme à Constituição e à lei. O Estado-Comunidade, no exercício da acção penal, é representado pelo Ministério Público, não por quem julga que, como é próprio da essência das coisas, está acima, coloca-se "super partes". Sou magistrado do Ministério Público e, ocasionalmente, até fui Juiz e nunca, naquele, me senti menos independente do que na veste de juiz. É sempre uma questão de ética, de postura, de estatuto. Os magistrados não são diferentes de outros cidadãos. Têm traumas, ideologias, preferências políticas. Só são magistrados, na maioria dos casos, por mero acaso da vida. Mas não me venham com um Ministério Público à 24 de Abril, como primeiro passo para ser juiz. As magistraturas estão separadas e paralelas e está bem assim. Há muito que ajeitar, em muitos sectores, mas não naquela vertente dos sindicalistas da ASJ que o Público cita hoje. Desde quando é que colocar um "visto" por um Juiz (assim era antes do 25 de Abril) no arquivamento ordenado pelo MP dá mais garantias a alguém e o que é que isso tem a ver com a "nobre função de julgar", como os Senhores Juízes apreciam dizer?
Pinto Nogueira.
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
O que a lei diz é que o Ministério Público deve defender a independência dos tribunais, na área das suas atribuições, e "...velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis...". Isto que a Constituição diz e a lei diz é muito diferente de vir agora a "função jurisdiconal" fiscalizar quem fiscaliza se a mesma função é exercida conforme à Constituição e à lei. O Estado-Comunidade, no exercício da acção penal, é representado pelo Ministério Público, não por quem julga que, como é próprio da essência das coisas, está acima, coloca-se "super partes". Sou magistrado do Ministério Público e, ocasionalmente, até fui Juiz e nunca, naquele, me senti menos independente do que na veste de juiz. É sempre uma questão de ética, de postura, de estatuto. Os magistrados não são diferentes de outros cidadãos. Têm traumas, ideologias, preferências políticas. Só são magistrados, na maioria dos casos, por mero acaso da vida. Mas não me venham com um Ministério Público à 24 de Abril, como primeiro passo para ser juiz. As magistraturas estão separadas e paralelas e está bem assim. Há muito que ajeitar, em muitos sectores, mas não naquela vertente dos sindicalistas da ASJ que o Público cita hoje. Desde quando é que colocar um "visto" por um Juiz (assim era antes do 25 de Abril) no arquivamento ordenado pelo MP dá mais garantias a alguém e o que é que isso tem a ver com a "nobre função de julgar", como os Senhores Juízes apreciam dizer?
Pinto Nogueira.
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
O mote presidencial para a confusão: controlo judicial dos arquivamentos
Sejamos claros.
Em democracia não há poderes absolutos. O exercício de todos eles deve ser controlado.
Em Portugal, compete ao Ministério Público, verificados que sejam certos pressupostos, determinar o arquivamento do inquérito. Esta decisão, para além de um controlo interno, de natureza hierárquica, (já) está ainda sujeito a controlo judicial, na medida em que o assistente pode requerer a abertura da instrução com vista à “comprovação judicial da decisão… de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. E a decisão judicial que, na sequência desta comprovação, vier a ser proferida, está, por sua vez, sujeita a outro controlo jurisdicional – o do recurso para uma instância superior.
Sendo este o regime actualmente em vigor, não se compreende a questão levantada, “em jeito de desafio”, pelo Presidente da República, no seu discurso de abertura solene do ano judicial de 2004, no passado dia 19: «não deverá instituir-se o controle judicial do arquivamento de inquéritos, de tal modo que seja o poder judicial a certificar a legalidade da actuação do Ministério Público, e se dissipem insinuações que, aqui e ali, só enfraquecem a insubstituível posição desta magistratura?»
Será que o PR, quando abriu o desafio, ou melhor, a guerra que a seguir vai ter lugar, desconhecia que já existe um controlo judicial do arquivamento de inquéritos pelo MP? Ou entende que o controlo actualmente existente é ineficaz ou insuficiente? Se sim, por que razão? E que “insinuações” são essas, e de quem partem, que (paradoxalmente) “enfraquecem a insubstituível posição” da magistratura do MP?
O PR não foi nada claro e deu o mote para mais uma grande confusão e guerra de corporações, que vem enfraquecer mais o já conturbado aparelho judicial deste pequeno e pobre país.
Onde está o seu papel de árbitro e de garante do bom funcionamento das instituições?
L. Costa (MP)
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
Em democracia não há poderes absolutos. O exercício de todos eles deve ser controlado.
Em Portugal, compete ao Ministério Público, verificados que sejam certos pressupostos, determinar o arquivamento do inquérito. Esta decisão, para além de um controlo interno, de natureza hierárquica, (já) está ainda sujeito a controlo judicial, na medida em que o assistente pode requerer a abertura da instrução com vista à “comprovação judicial da decisão… de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. E a decisão judicial que, na sequência desta comprovação, vier a ser proferida, está, por sua vez, sujeita a outro controlo jurisdicional – o do recurso para uma instância superior.
Sendo este o regime actualmente em vigor, não se compreende a questão levantada, “em jeito de desafio”, pelo Presidente da República, no seu discurso de abertura solene do ano judicial de 2004, no passado dia 19: «não deverá instituir-se o controle judicial do arquivamento de inquéritos, de tal modo que seja o poder judicial a certificar a legalidade da actuação do Ministério Público, e se dissipem insinuações que, aqui e ali, só enfraquecem a insubstituível posição desta magistratura?»
Será que o PR, quando abriu o desafio, ou melhor, a guerra que a seguir vai ter lugar, desconhecia que já existe um controlo judicial do arquivamento de inquéritos pelo MP? Ou entende que o controlo actualmente existente é ineficaz ou insuficiente? Se sim, por que razão? E que “insinuações” são essas, e de quem partem, que (paradoxalmente) “enfraquecem a insubstituível posição” da magistratura do MP?
O PR não foi nada claro e deu o mote para mais uma grande confusão e guerra de corporações, que vem enfraquecer mais o já conturbado aparelho judicial deste pequeno e pobre país.
Onde está o seu papel de árbitro e de garante do bom funcionamento das instituições?
L. Costa (MP)
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
Discursos
Sr. Cordoeiro-Mor
Não posso deixar de felicitar os Cordoeiros pela eficácia demonstrada na publicação, on line, dos discursos proferidos na Abertura do Ano Judicial. Interessante é também a publicação da Homilia proferida pelo Sr. Cardeal Patriarca na missa respeitante ao mesmo evento. Justiça e religião sempre andaram ligadas, em justificações e apoios recíprocos. O Mal é ainda uma categoria operativa em muitas decisões judiciais. É fácil esquecerem-se os crimes e perseguirem-se os pecados.
O discurso do Dr. Souto Moura surpreendeu-me. Pela positiva, como agora se diz. Não se coibiu de ir directo ao epicentro da crise. O Caso Casa Pia é o alfa e o ómega da maior e mais bem orquestrada campanha contra a administração da justiça. De uma campanha que está para além das vítimas e dos arguidos e que pretende colocar a justiça no lugar em que "eles" pensam que ela deve estar.
Sempre duvidei que o dito poder judicial fosse um poder. Nos últimos anos, os vencimentos dos magistrados, no contexto dos vencimentos da função pública, e algumas modestas mordomias, fortaleceram essa ilusão. Num certo sentido, os magistrados deixaram-se levar num encantamento idêntico ao de qualquer presidente de junta de freguesia.
No Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, juntaram-se os poderes, não direi numa feira de vaidades, mas com o propósito de dizerem em público aquilo que também poderiam ter dito em privado. O futuro da justiça não passa pelos discursos aí proferidos, se é que a justiça, tal como a concebemos actualmente, tem futuro. Foi um intervalo: os outros discursos voltam amanhã. Se é que já não voltaram em alguns blogues.
Cord(i)almente
Alípio Ribeiro
P.S. Por inépcia minha, este texto ontem escrito, só passadas 24 horas chega às mãos do Sr. Cordoeiro.
Le "plaider-coupable" bouleverse la culture judiciaire française
LE MONDE | 20.01.04 | 13h52
«Fast justice»
Un arsenal au service du tout-répressif
«Un droit d'exception qui tient les droits de l'homme à l'écart»
Examen final houleux pour le projet de loi Perben au Sénat
«Perben 2» braque juges et avocats
LIBÉRATION - 20 janvier 15:28:33
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
Não posso deixar de felicitar os Cordoeiros pela eficácia demonstrada na publicação, on line, dos discursos proferidos na Abertura do Ano Judicial. Interessante é também a publicação da Homilia proferida pelo Sr. Cardeal Patriarca na missa respeitante ao mesmo evento. Justiça e religião sempre andaram ligadas, em justificações e apoios recíprocos. O Mal é ainda uma categoria operativa em muitas decisões judiciais. É fácil esquecerem-se os crimes e perseguirem-se os pecados.
O discurso do Dr. Souto Moura surpreendeu-me. Pela positiva, como agora se diz. Não se coibiu de ir directo ao epicentro da crise. O Caso Casa Pia é o alfa e o ómega da maior e mais bem orquestrada campanha contra a administração da justiça. De uma campanha que está para além das vítimas e dos arguidos e que pretende colocar a justiça no lugar em que "eles" pensam que ela deve estar.
Sempre duvidei que o dito poder judicial fosse um poder. Nos últimos anos, os vencimentos dos magistrados, no contexto dos vencimentos da função pública, e algumas modestas mordomias, fortaleceram essa ilusão. Num certo sentido, os magistrados deixaram-se levar num encantamento idêntico ao de qualquer presidente de junta de freguesia.
No Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, juntaram-se os poderes, não direi numa feira de vaidades, mas com o propósito de dizerem em público aquilo que também poderiam ter dito em privado. O futuro da justiça não passa pelos discursos aí proferidos, se é que a justiça, tal como a concebemos actualmente, tem futuro. Foi um intervalo: os outros discursos voltam amanhã. Se é que já não voltaram em alguns blogues.
Cord(i)almente
Alípio Ribeiro
P.S. Por inépcia minha, este texto ontem escrito, só passadas 24 horas chega às mãos do Sr. Cordoeiro.
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SOLTAS:Le "plaider-coupable" bouleverse la culture judiciaire française
LE MONDE | 20.01.04 | 13h52
«Fast justice»
Un arsenal au service du tout-répressif
«Un droit d'exception qui tient les droits de l'homme à l'écart»
Examen final houleux pour le projet de loi Perben au Sénat
«Perben 2» braque juges et avocats
LIBÉRATION - 20 janvier 15:28:33
# posto por Rato da Costa @ 21.1.04
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