domingo, 2 de janeiro de 2011

Os Cordoeiros: Sexta-feira, Janeiro 2 [2004]

A tragédia


Pablo Picasso
The Tragedy, 1903
National Gallery of Art, Washington
Chester Dale Collection
# posto por Rato da Costa @ 2.1.04

Espírito Kafkiano


É preciso travar o espírito Kafkiano que anda a passar por aí
O processo Casa Pia mais do que um processo criminal, excepcional pelos factos imputados a certos suspeitos/arguidos, pela idade das presumíveis vítimas, pelos suspeitos em si, tem representado algo de muito negativo. Este muito negativo deve-se, a nosso ver, ao não respeito de um direito dos arguidos, o direito à sua presunção de inocência e ao direito sagrado das vítimas de não serem expostas mediaticamente. A encenação de tudo isto tem vindo a transformar este país num imenso Tribunal.
Quer queiramos, quer ou não, a questão Casa Pia, é, em primeira linha uma questão societal, administrativa, e só porque estas instâncias de regulação falharam, é que se tornou objecto de averiguação criminal.
Tendo-se tornado objecto de averiguação criminal, tornaram-na, certos teóricos do direito, numa questão de sistema penal e processual penal.
Como sempre, em casos como estes, correu-se para a solução mais simples, mais barata e mais dramática. Encontrar novas leis.
Infelizmente, a questão não se encontra aí, como resulta da lei Salazarista do pé descalço. A lei não deu sapatos, deu multas, deu abusos de autoridade,deu lugar ao espírito do desenrasca do bom Português, que com uma chinela num dos pés, não ia descalço, ia meio descalço e isso a lei não proibia, conformaram-se os polícias.
As leis, as reformas dos códigos têm-se demonstrado desastrosas. Os sucessivos enxertos ao CPP de 1987 têm reflectido o mau jogo corporativo dos vários intervenientes do processo penal.
A questão não se acha na lei, mas nas boas práticas jurídicas.
Não se faça à justiça o que estão a fazer à educação. Os programas e as leis mudam ano após ano, consoante os resultados atingidos no ano lectivo anterior.
Crie-se uma comissão de poda legislativa para que se consiga respirar no mundo das leis. Pense-se, devidamente, antes de agir.
Lembro-me, agora, de ouvir, de amigos mais velhos, o seguinte relato de uma intervenção de um Ministro da Instrução Pública da I.ª República.
Dizia o Ministro, e cito:
Perguntam-me como é que poderemos ter, já, um sistema de educação como o francês.
A resposta a esta questão não será difícil.
Começaremos por importar os curricula do sistema de ensino francês.
Tendo os curricula, quem vai dar ensinar os alunos? Os professores melhor preparados para aplicar esses curricula, que, certamente, como aceitareis, logicamente, serão os professores franceses.
E tendo os curricula, os professores, a quem vamos dar as aulas? Certamente que não será aos alunos portugueses, pois estes não têm condições familiares, de segurança, de estabilidade e de condições de vida como os franceses. Importemos, pois, os alunos, os seus pais e o tecido empresarial, cultural e social, em que eles vivem.
E tendo tudo isto onde daremos as aulas? Assim, por assim, o melhor é importar, também, os edifícios das escolas francesas.
E, deste modo, concluiu o Ministro da Instrução, teremos o sistema da Instrução Pública resolvido.
O Ministro da Instrução Pública da I.ª República era inteligente, e utilizava a ironia com uma oportunidade acutilante.
No caso de novas leis, não vemos no seu anúncio, a ironia penetrante do ministro da 1.ª República.
Confrontamo-nos, antes sim, com as palavras de Pirro II, rei de Epiro, quando após haver vencido a batalha de Ásculo contra os romanos no ano de 279 a.c. e face às felicitações dos seus generais, terá respondido-“Ainda outra vitória como esta e estou perdido”.
P.B.
# posto por Rato da Costa @ 2.1.04

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