Constituições e realidades
A Constituição Portuguesa entrou em vigor em 25 de Abril de 1976, dois anos depois da Revolução e ao fim de um agitado período de lutas partidárias e de movimentos sociais. Desde então passou por sete revisões, tendo sido a última delas já em 2005. Em muitos dos artigos que a compõem, uma constituição política é uma declaração de intenções. Que não se rasguem as vestes os constitucionalistas. Dizê-lo não significa uma minimização da importância desses documentos, em paralelo neste particular com a Declaração dos Direitos Humanos, em vigor (melhor diríamos em latência) desde 1948. Como sabemos, as revisões constitucionais são uma espécie de acertos de marcha, de ajustamentos à realidade social, quando não resultaram, simplesmente, da vontade política de uma maioria parlamentar que permitiu promover ou impor as suas opções. De outro ponto de vista, talvez por superstição, talvez por inércia, não é raro que se mantenham nas constituições, pelo menos em algumas delas, vestígios “fósseis” de disposições que perderam, no todo ou em parte, o seu sentido original. Só assim se explica que no preâmbulo da Constituição Portuguesa se mantenha, intocável, ou como uma concessão puramente retórica, a expressão “abrir caminho para o socialismo”. Num mundo dominado pelo mais cruel liberalismo económico e financeiro alguma vez imaginado, aquela referência, último eco de mil aspirações populares, arrisca a fazer sorrir. Um sorriso com lágrimas, digamos. As constituições estão aí e é à luz delas, penso eu, que deveria ser julgada a gestão dos nossos governos. A lei da selva que imperou nos últimos trinta anos não teria chegado às consequências que estão à vista se os governos, todos eles, houvessem feito das constituições dos seus países um vademecum de uso diurno e nocturno, uma cartilha do bom cidadão. Talvez o tremendo choque que o mundo está sofrendo possa levar-nos a fazer das nossas constituições algo mais que a simples declaração de intenções que ainda são em muitos dos seus aspectos. Oxalá.
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