quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A TEMPESTADE

Quando eu era pequeno e trovejava, minha mãe dizia-me:
– Olha o Senhor a ralhar... Está quieto e reza.
E eu encolhia-me e rezava.
Agora sei que não é o Senhor a ralhar comigo. Mas continuo a guardar respeito às trovoadas. Santa Bárbara Bendita!
– Não vás para a janela! – recomendava a minha mãe.
Minha mãe foi-se embora há muito.
Eu e as trovoadas continuamos.
Vem lá uma. E eu vou para a janela.
O cisco da eira dança no ar e a copa do castanheiro verga perigosamente.
– Irá partir?
O castanheiro da eira deve ter séculos. Quando eu nasci já ele era o que é hoje: um gigante. E os gigantes riem-se das ventanias.
A trovoada está cada vez mais perto. Calculo-lhe a distância pelo intervalo entre o relâmpago e o ribombo.
Umas pingas grossas, raras, começam a bater terreno.
Novo alustre, novo estrondo.
As pingas dão lugar a uma corda d’água. Em poucos segundos, a eira fica um lago.
Mais relâmpagos. A trovoada está mesmo sobre a aldeia.
A chuva transforma-se em granizo. Pedras do tamanho de amêndoas.
A eira desaparece sob um grosso manto de saraiva.
A ventania aumenta.
De repente, um estalido forte e seco.
– Este caiu perto! – digo para comigo.
– Mas não vi qualquer clarão... – acrescento, intrigado.
A trovoada afasta-se.
Uma vizinha vem me dizer que um tronco do castanheiro caiu e trancou o caminho.
Fico céptico:
– Mas eu estava a olhar para ele e não vi nada...
– Foi o tronco do outro lado, atrás do palheiro.
Corro ao local.
Uma grossa pernada jaz no chão.
Fico triste.
Este mês de Agosto tem sido fértil em catástrofes.
Esta foi a que me tocou de mais perto.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 181 e s.)

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