segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O CANTAR DOS GALOS

Dizem que estou enganado. Mas eu continuo na minha: antigamente as noites eram maiores.
«Às nove deita-te home/ Se guardas para as dez, burro és...»
Um homem ia para a cama às nove. Alta madrugada, ouvia cantar os galos e despertava.
Agora os galos não cantam porque os não há. E os homens, à falta de quem os desperte de madrugada, descuram as suas obrigações conjugais. Resultado? A natalidade baixa e a nação corre perigo.
Já aqui falei dos subsídios aos burros. Porque não subsidiar os galos?
Qualquer dia levo um para o Porto. Ainda o não levei com receio de que me suceda o mesmo que aconteceu a uma conhecida minha que foi para a América. Chegou lá e, do cantar dos galos saudosa, montou uma capoeira com meia dúzia de galinhas e um galaroz.
Passado um mês tinha o xarifo à porta:
– Tem de matar o galo.
– Porquê?
– Os vizinhos queixam-se de que ele os não deixa dormir.
Uns bárbaros, estes americanos. Só vêem o dólar. Tudo o que seja beleza, sentimento, poesia, passa-lhes ao lado. Há lá coisa mais idílica do que o cantar dum galo ao romper o dia?
«Acorda, meu amor! Já cantam os galos...».
Umas das variantes para mim mais queridas da poesia provençal dos séculos XII e XIII são as «Albas». Como essas delicadas e doridas canções traduzem bem a mágoa dos amantes clandestinos ante a separação imposta pelo romper da aurora:
«Acorda, meu amor! Já se ouve o toque da alvorada»!
Nos séculos XII e XIII o despontar da aurora era anunciado por um arauto que ia pelas ruas a tocar um clarim.
No século XVI, segundo Shakespeare, «Romeu e Julieta», pelo canto da cotovia;
«Acorda Romeu! Já se ouve a cotovia...»
Nos meus tempos de amante, pelo cantar dos galos:
«Acorda, ladrão, que já cantam os galos! Raspa-te antes que meu pai se levante e pegue na escupeta...»
Que saudades eu tenho desses tempos...
Exijo o regresso imediato dos galos aos poleiros!
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 185 e s.)

Sem comentários:

Enviar um comentário