Esta noite dormi pouco. Acordei alta madrugada e vim para a janela. Estava uma noite de rouxinóis, se rouxinóis houvessem em Setembro. Se os há calaram-se. Ficaram as estrelas, outro ornamento de luxo das noites barrosãs. Na cidade, a luz pública e os letreiros luminosos empalidecem e afastam as estrelas. Na escuridão da aldeia, elas sobressaem e aproximam-se. Quase ao alcance das mãos. Não as conheço a todas pelo nome. Mas seio lugar que a cada uma cabe na harmonia do universo. Algumas são-me familiares desde a infância: a Estrela Polar, o Sete-Esprelo, as Três-Marias, a Estrela do Pastor, também chamada Estrela da Manhã. Cedo me habituei a considerá-la uma divindade:
– Estrela da Manhã.
– Rogai por nós.
Só mais tarde vim a saber que ela era um planeta e tinha o nome duma deusa: Vénus. Não fiz caso. Para mim continua a ser das estrelas mais queridas. AÍ pela meia-noite está sempre à frente da minha janela. Nunca me deito que a não cumprimente:
– Boa noite, amor. Vela por mim.
Eis se não quando, um dia destes, ao aproximar-me da janela para me despedir de Vénus, deparo com um grande ponto vermelho no céu. Caí das nuvens:
– Que será aquilo?
Só de manhã, enquanto fazia a barba, ouvi no rádio que lá para Lisboa houve quem passasse a noite a ver Marte por um canudo.
– É então Marte... Pois eu, quando vi aquele ponto vermelho com reflexos laranja, até julguei que estava a ver um cometa. E, a propósito de cometas, vou contar uma história.
Aqui há uns quatro ou cinco anos publiquei um livro em que falava da Música de Parafita. Nem todos os parafitenses gostaram. E um dos mais indignados escreveu-me a dizer-me, metaforicamente, que eu estava a meter o nariz onde não era chamado. Vinha mais ou menos assim contada a anedota:
Que in illo tempore havia lá na terra dele um seminarista já adiantado nos estudos. E que, estando ele em gozo de férias, refastelado à sombra, a ver quem passava na rua, aparece o Gato, homem sabido e reinadio, vira-se para ele e declama:
– Ora viva o meu ilustre vizinho! É para mim uma honra e um prazer saudar um homem superior, destinado a voar acima do comum dos mortais, cabeça levantada, nariz nos astros: nas estrelas, nos planetas, no «cu o metas»...
Não está mau o trocadilho. Mas mal aplicado. Nem então estava a meter o nariz onde não devia, nem hoje estou a metê-lo no cometa, uma vez que se trata de Marte.
Dizem os astrónomos que atingiu este mês o ponto mais próximo da Terra. Próximo em termos astronómicos: uns 55 milhões de quilómetros, se bem entendi.
Mais dizem os sábios que só daqui a uns 60 mil anos voltará a ser visível a olho nu. Gostava de estar cá para ver.
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