segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

ATEIMA GATO QUE ELA DA-TO

Quando comecei a olhar para a sombra, quero dizer, para as moças, e as coisas me não corriam à medida dos meus desejos, deixava-me invadir frequentemente daquela melancolia dos apaixonados infelizes que os põe na estica e leva as velhas a diagnosticarem que «alguém lhes apanhou terra do pé direito», mesinha negra, capaz de atirar com o mais pintado à sepultura.
Salvou-me, então, de morte certa e desonrosa, o meu para sempre chorado mestre Saias, encarnação conjunta dos Sete Sábios da Grécia, e que um dia, com a seriedade que lhe era peculiar, me disse: «Ateima gato, que ela dá-to…»
Anos mais tarde, estando eu à janela da casa paterna, vi sair do forno público, na gíria designado por «hotel piolho», por ser ali que se hospedavam os mendigos, a Micaela pela mão da neta. À falta de melhor atractivo, quedei a olhar para elas. A avó trajava socas de verniz, meias, saia e blusa escuras, e cochiné da mesma cor apanhado para a nuca, de modo a deixar ver um gordo cordão de oiro ao pescoço e grossas arrecadas do mesmo precioso metal nas orelhas, doces recordações dos tempos em que ela, segundo as más línguas, fora a rainha das pinoias do Alto Barroso e nos limites do qual, agora, velha, viúva e cega, pedia, ou, por outras palavras, e como facilmente se deduz deste apontamento, reclamava esmola de porta em porta. Quanto à neta, dos seus catorze ou quinze anos, bem composta de corpo e feições, ar desenvolto, a prometer seguir as pisadas da avó, vinha descalça, vestido de chita de manga curta e cabelo em desalinho pelos ombros. 
Passaram mesmo debaixo do meu nariz e dirigiram-se à porta do pátio. Mas a velha não entrou. Sacudiu a mão da neta e disse:
— Vai lá e pede-lhe um naco de toucinho e umas couves para o caldo.
A neta foi e voltou:
— Então? — inquiriu a avó.
— Que Deus nos favorecesse que agora não nos podia atender.
A velha bateu nervosamente com a ponta do cajado na calcada:
— Volta lá. Insiste, pedincha, chora.
A neta reentrou no pátio e a velha caiu num alheamento de pensamentos tristes. Acordou com os passos da neta que regressava:
— Então?
— Consegui.
— Eu não te disse? «Ateima gato que ela dá-to...»
E eu fiquei então a saber que a máxima de mestre Saias a respeito dos namorados, se aplicava também aos pobres de pedir.
Pois bem. Enquanto isto escrevo, olho para mim e vejo-me reduzido à dupla miséria de pobre e apaixonado. Apaixonado pelo Correio do Planalto, de quem desejaria fazer o melhor jornal de Barroso — que, do mundo, não pode ser. Pobre de mais para levar o meu intento por diante. Mas… (Ah, mestre Saias, que homens como tu nunca deviam morrer…) «ateima gato que ela dá-to…»
Fazei alguma coisa pelo vosso jornal, Barrosões duma figa!
VIVA BARROSO!

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