sábado, 12 de fevereiro de 2011

[1989] 12 – Fevereiro (domingo).

Ontem a TV transmitiu um programa sobre o «medo». E a coisa foi apenas um programa político. Bau-Bau desatou a falar do medo no tempo do fascismo. É de dar urros. Então este comuna não se afligiu com o medo no tempo do PREC? Tem a lata de falar no medo do fascismo, sabendo mesmo um tipo mais imbecil do que ele (que por isso ele Bau-Bau devia estar no Guiness) que houve e há muito mais medo em todos os países do Leste do que no tempo de Salazar? Mas ninguém lhe obstruiu o despejo com uma simples observação destas: PIDE? E o KGB? Tarrafal? E a Sibéria e os hospitais psiquiátricos? Censura? E o garrote de lá? O fascismo português foi hediondo. Mas o comunismo de todos os tempos é um criminoso maior. De todo o modo, não é este Bau-Bau a pessoa mais indicada para ter opiniões sobre o problema. Não, não é uma questão pessoal que me leva a reagir assim. Decerto devo a este pícaro um ódio incansável desde há 30 anos, ou seja desde que me cheguei para Lisboa. Logo então, porque eu era um «traidor» do neo-realismo, Baú-Baú, que é muito mau e tinha a força nobre do cavalo, propôs ao Carlos de Oliveira dar-me um enxerto de porrada exemplar. Mas o Carlos de Oliveira, na sua placidez olímpica e infinita complacência, não aprovou:
— N… n… não. Ba… ter… n… não.
E foi o que me valeu. Mas para compensar o arraial falhado que guerra constante ele não desencadeou nos jornais, acirrando outros a colaborar no tiroteio, torcendo a seu jeito e contra mim entrevistas alheias, indo tirar satisfação aos que tinham o seu aplauso para o que me calha escrever, insultando-me nas charlas que semeia por aí, etc.
Paremos. Acalmemos. E sejamos compreensivos. Coitado do Bau-Bau. No fundo ele anda arreliado com a vida que o tinha abonado de músculo e ele julgou que por inerência lhe dera também talento. E é mentira.
*
A sensação muito intensa e física de que a vida se me esvai. Dia a dia com uma evidência maior. E o ainda difícil entendimento de que foi assim, sem mais, aérea e vã. Procuro-lhe uma resistência, mesmo na inanidade do que a preencheu. Não encontro. Tanto esforço para que tivesse um sentido no seu não-sentido. Tudo em vão. Ter assim a face de uma loucura absurda no seu nada. Cumpri decerto um mandato que ninguém me passou, exerci-a como se tivesse uma obrigação que me impusessem de a realizar na forma aplicada em que a realizei. Podia ser-me vã agora que a fito no seu todo, se a não tivesse falhado. Mas o seu vazio não se refere apenas a esse todo em que a realizasse, e sim na própria realização. E esforcei-me tanto. Podia senti-la inútil na utilidade que seria sua. Sinto-a inútil naquilo mesmo que a fingiu. Seria vã na própria realização efectiva que eu tivesse cumprido, como mesmo os grandes a terão sentido. Mas o seu vazio sinto-o naquilo mesmo que realizei. Um ludíbrio de que só agora no fim claramente se inseriu no que fiz e não dei conta. Um engano que me iludiu. Houve decerto quem se reconhecesse no que realizei. Mas o que realizei é uma rede cheia de buracos e se alguém aí se reconhece, não é pelo que lá está mas pelo que lá põe com o desejo de que esteja. Vida sem significação enquanto vida, como o penso para a de todos, vida inútil no que nela pude realizar, como o não foi a de muitos. Um demónio me tramou a ilusão. Um demónio me trama agora no sabê-lo.

V.F.

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