domingo, 1 de setembro de 2013

1 – Setembro (sábado).

É um dos dois nomes mais belos do ano, o do mês que hoje começa. O outro é o de Maio. Porquê, não sei. Os nomes tem em si normalmente uma qualidade estética, não relacionada por força com valores conotativos. Nomes de meses, nomes de pessoas, nomes de coisas. E é isto tão evidente, que já Quintiliano o anotou. Creio que para valorizar o gosto de Vergílio. Dá mesmo o exemplo de certos nomes que não recordo, para sublinhar o seu ridículo. Setembro. É belo em si. E ainda pelo que nele ressoa de evocação. O Outono vem aí e com ele a estação da melancolia serena. Os tísicos escolheram-no para morrerem e tinham razão. Sol doce que pousa suavemente nas coisas. Acalmia da Natureza para a investida do Inverno. Ternura da memória. Quietude da alma. É assim.
Hoje fomos almoçar com os Llansois ao «Aquário» de Janas. Mas a Gabriela teve um acidente imprevisto e quis logo recolher a casa após o festim. Tive pena. Está-se bem com eles – a Gabriela e o Augusto – e preparava-me para longo paleio pós-prandial aqui em Fontanelas. Gabriela sobretudo solicita-me ainda bastante à sua decifração. Como os seus livros. São livros estranhos na nossa literatura, com a sua implantação imediata no intrigante e misterioso de tudo, a sua destruição do tempo com a reunião das pessoas ou personagens de eras diversas, a ausência de uma narrativa, sequencial ou fracturada, a sua eliminação da «literatura». Mas assim mesmo ou por isso mesmo, a leitura dos seus livros exigem-nos uma adaptação para ser «agradável». A melhor forma de o conseguir é lê-los de página a página com longas pausas nos intervalos. E há a «monotonia» que é própria de um escritor de características bem interiorizadas e nasce no fim de contas de um «estilo», ou seja de uma certa e bem distinta maneira de ser. Mas acabou-se – não houve cavaqueira e fica a conversa para outra vez. Porque eu queria uma boa conversa com ela para lhe entender o que se projecta nos livros.
*
E agora, de vez em quando, vem-me à curiosidade o querer saber que romance poderia eu escrever ainda. Não consigo. Mas penso intensamente em qualquer coisa que fosse uma ode à alegria um êxtase a sublimidade em transcendência de todo o real efémero, uma vivência do espírito das coisas. Também pensei num livro feito das «ideias» de uma biblioteca, uma acção em que fossem elas as personagens. Mas o meu poço donde tiro os romances está ainda vazio e o melhor é deixá-lo encher. Está uma tarde de sol, mas com um vento muito estúpido a disparatar no pinhal. Vou ler os jornais.


Vergílio Ferreira: conta-corrente / nova série / II [1990]

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