Não, o pregado ficou para hoje, depois de eu o ter desenhado, como se lhe
suplicasse, pois Erling Bagge havia-nos comunicado pouco antes, assim como que
de passagem, que na próxima segunda-feira a Vogterhus iria ser vendida ao
Estado pelos catorze camponeses; chegam mesmo a pensar em demoli-la. A Ute
chorou, tanto ela gosta da cabana com telhado de colmo. Afinal, também eu aqui passei
quinze verões, aqui trabalhei em O Pregado
em O Encontro em Telgte, e
ano após ano aqui desenhei, nos últimos três anos na floresta. Quero agora
tentar, com a ajuda de Niels Barfoed e Per Ohrgaard, conseguir negociar um
contrato de arrendamento. Vamo-nos embora já amanhã, pois a Ute tem de ir
tratar da sua mãe, que em Dobersdorf tem diante de si as suas últimas semanas:
um tormento que no hospital seria certamente ainda mais desumano. Nenhuma
gravura a água-forte, mas três desenhos a lápis e a grafite e cinco desenhos a
carvão negro e de grande formato estão prontos. De resto, também quinze frascos
de compota cheios de Rote Grütze, feita com amoras silvestres, produto
da nossa colheita de agosto, fazem agora parte da nossa bagagem.
Desde ontem que, aos fins de tarde, os caçadores andam por aí aos tiros:
começou a época da caça. Afugentaram os gansos-bravos. Observo, como que
enamorado, as aranhas em redor da casa – mas também no silvado onde estão as amoras
–, que teceram, em diversos níveis, as suas teias, aguardando lá no meio a sua
presa. Leio uma interessante biografia de Chaplin e A Sonata de Kreutzer. Entretanto,
já cheguei ao terceiro casamento de Chaplin e a Tempos Modernos. O
perfecionista da comédia. A narrativa de Tolstói. É assustadora a sua acentuada
simplicidade.
Günter Grass – EM VIAGEM De Uma Alemanha à Outra – Diário
[1990]
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