quinta-feira, 12 de setembro de 2013

«PAÍSES PECADORES»

O meu amor pela língua alemã, berço, dir-se-ia «natural», de pensamento filosófico, e pelos poetas de língua alemã, e pela música «de língua alemã» (pois à linguagem da música talvez não seja indiferente o Ser da própria língua), fazem-me recalcar aspectos mais sombrios da cultura (isto é, da língua) alemã que, como vulcões adormecidos, não raro se manifestam sob a forma de barbárie.
Celan, que perdeu pais, família e amigos nos campos de extermínio (onde ele próprio sofreu durante anos, sujeito a todo o tipo de violências), optou – mesmo dominando outras línguas, designadamente o yidiche, mas também o romeno, o russo, o francês, o inglês, até o português – por escrever a sua poesia atravessando desesperadamente a «escuridão assassina» da língua dos torcionários e procurando encontrar nela a perdida luz da língua de sua mãe.
É nas vertentes mais obscuras e sinistras da língua alemã que bebe a língua que fala o comissário europeu para a Energia, o alemão (do partido de Merkel) Guenther Oettinger que, em entrevista ao Bild, propôs um «castigo» para os países com défice excessivo: a colocação das «bandeiras dos países pecadores a meia haste nas fachadas dos edifícios comunitário. «Países pecadores»: a religião da usura evoca hoje perigosamente pecados mortais (que só Oettinger parece ter esquecido) da Alemanha pelos quais a sua bandeira haveria que ficar a meia haste durante muitos séculos.


Manuel António Pina - JN, 12/09/2011

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