Gripe suína (1)
Este texto segue a par e passo um artigo do
Prof. Mike Davis, da Universidade de Los Angeles. De lavra minha não encontrará
aqui mais que as primeiras linhas, algumas frases de ligação e um retoque no
final. Fique pois claro que, no que ao essencial se refere, o leitor estará
lendo o Prof. Mike Davis e não a mim.
Não sei nada
do assunto e a experiência directa de haver convivido com porcos na infância e
na adolescência não me serve de nada. Aquilo era mais uma família híbrida de
humanos e animais que outra coisa. Mas leio com atenção os jornais, ouço e vejo
as reportagens da rádio e da televisão, e, graças a alguma leitura providencial
que me tem ajudado a compreender melhor os bastidores das causas primeiras da
anunciada pandemia, talvez possa trazer aqui algum dado que esclareça por sua
vez o leitor. Há muito tempo que os especialistas em virologia estão
convencidos de que o sistema de agricultura intensiva da China meridional foi o principal
vector da mutação gripal: tanto da «deriva» estacional como do episódico «intercâmbio»
genómico. Há já seis anos que a revista Science publicava um artigo
importante em que mostrava que, depois de anos de estabilidade, o vírus da
gripe suína da América
do Norte havia dado um salto evolutivo vertiginoso. A industrialização, por
grandes empresas, da produção pecuária rompeu o que até então tinha sido o
monopólio natural da China na evolução da gripe. Nas últimas décadas, o sector
pecuário transformou-se em algo que se parece mais à indústria petroquímica que
à bucólica quinta familiar que os livros de texto na escola se comprazem em
descrever…
Em 1966, por
exemplo, havia nos Estados
Unidos 53 milhões de suínos distribuídos por um milhão de granjas.
Actualmente, 65 milhões de porcos concentram-se em 65.000 instalações. Isso
significou passar das antigas pocilgas aos ciclópicos infernos fecais de hoje,
nos quais, entre o esterco e sob um calor sufocante, prontos para intercambiar
agente patogénicos à velocidade do raio, se amontoam dezenas de milhões de
animais com mais do que debilitados sistemas imunitários.
Não será,
certamente, a única causa, mas não poderá ser ignorada. Voltarei ao assunto.
José Saramago, O CADERNO
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