Viagens
Viemos de Lanzarote no último sábado,
com escala em Sevilha, e
depois por estrada até Lisboa.
No domingo, como expliquei, fomos à Azinhaga por causa de estátua
que lá foi posta. O plátano
em frente da casa é um autêntico esplendor, uma gama de verdes riquíssima que
atrai para uma demorada contemplação e me fez pensar: «Não mudes, deixa-te ser
como és». Inútil desejo, virá o Verão com os seus calores, o Outono com o
primeiro frio, e as folhas cairão, o esplendor apaga-se, a árvore adormece até
que a nova Primavera venha tomar o lugar desta que está terminando.
Estes
pensamentos sem nenhuma originalidade fizeram-me recordar o último e breve
capítulo da Viagem
a Portugal que, ouso pensar, alguma originalidade haverá tido. E pensei
que não ficaria mal trazê-lo aqui, quando estamos a ponto de partir outra vez,
agora para a Corunha. Aí
vai, portanto:
«A viagem não
acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em
memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da
praia e disse: “Não há mais que ver”, sabia que não era assim. O fim da viagem
é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o
que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu
de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto
maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar
aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao
lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.»
Assim é.
Assim seja.
José Saramago, O CADERNO
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