Sastre
Conheci o
dramaturgo Alfonso Sastre
há mais de trinta anos. Foi o nosso único encontro. Nunca lhe escrevi, nunca
recebi uma carta sua. Fiquei com a impressão de um carácter áspero, duro, nada
complacente, que não facilitou o diálogo, ainda que não o tivesse dificultado.
Não voltei a saber dele, salvo por ocasionais e pouco expressivas notícias de
imprensa, sempre relacionadas com a sua militância política nas fileiras abertzales. Nas últimas
semanas, o nome de Alfonso Sastre voltou a aparecer como candidato
cabeça-de-lista às eleições europeias, integrado numa Iniciativa
Internacionalista de recente formação. A agrupação não obteve representação
no parlamento de Estrasburgo.
Há poucos
dias a ETA
assassinou o polícia Eduardo
Puelles pelo quase sempre infalível processo da bomba-lapa colocada na parte
inferior dos carros. A morte foi horrível, o incêndio carbonizou o corpo do
infeliz, a quem não houve maneira de acudir. Este crime suscitou em toda a Espanha um movimento geral de
indignação. Geral, não. Alfonso Sastre acaba de publicar no jornal basco Gara
um artigo ameaçador em que fala de «tempos de muita dor em lugar de paz», ao
mesmo tempo que justifica os atentados como parte de um «conflito político»,
acrescentando que mais atentados haverá se não for aberta uma negociação
política com a ETA. Quase não acredito no que leio. Não foi Sastre quem fixou a
bomba no carro de Eduardo Puelles, mas o que eu não esperava era vê-lo como
valedor de assassinos.
José Saramago, O CADERNO
Sem comentários:
Enviar um comentário