Formação (2)
Aonde
pretendo chegar com este arrazoado? À universidade. E também à democracia. À
universidade porque ela deverá ser tanto uma instituição dispensadora de conhecimentos
como o lugar por excelência de formação do cidadão, da pessoa educada nos
valores da solidariedade humana e do respeito pela paz, educada para a
liberdade e para a crítica, para o debate responsável das ideias.
Argumentar-se-á que uma parte importante dessa tarefa pertence à família como
célula básica da sociedade, porém, como sabemos, a instituição familiar atravessa
uma crise de identidade que a tornou impotente perante as transformações de
todo o tipo que caracterizam a nossa época. A família, salvo excepções, tende a
adormecer a consciência, ao passo que a universidade, sendo lugar de pluralidades
e encontros, reúne todas as condições para suscitar uma aprendizagem prática e
efectiva dos mais amplos valores democráticos, principiando pelo que me parece
fundamental: o questionamento da própria democracia. Há que procurar o modo de
reinventá-la, de arrancá-la ao imobilismo da rotina e da descrença, bem ajudadas,
uma e outra, pelos poderes económico e político a quem convém manter a decorativa
fachada do edifício democrático, mas que nos têm impedido de verificar se por
trás dela algo subsiste ainda. Em minha opinião, o que resta é, quase sempre,
usado muito mais para armar de eficácia as mentiras que para defender as
verdades. O que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente ao pano
solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver. Reinventemos, pois,
a democracia antes que seja demasiado tarde. E que a universidade nos ajude.
Quererá ela? Poderá ela?
José Saramago, O CADERNO
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