O elefante em viagem
Os leitores
recordarão que os nomes das duas aldeias que a expedição encontrou no seu
caminho para Figueira
de Castelo Rodrigo nunca foram mencionados pelo narrador da história. Essas
aldeias, tal como se encontram descritas, foram simples inventos necessários à
ficção e não tinham nem têm qualquer correspondência na vida real. Parecerá
portanto abusivo aos amantes do rigor histórico que Salomão esteja a
preparar-se hoje para uma viagem que, não sendo documentalmente a que foi, bem
o poderia ter sido, ainda que dela não tenha ficado qualquer registo. A vida
traz muitos acasos no bolso e não se pode excluir que, em um ou outro caso, a
letra tenha acertado com a tabuleta. É certo que a História não diz que Salomão
tivesse pisado terras de Castelo
Novo, Sortelha ou Cidadelhe, mas
também é impossível jurar que tal não sucedeu. Dessa obviedade nos servimos,
nós, Fundação José Saramago, para
idear e organizar uma viagem que vai começar hoje em Belém,
diante do Mosteiro
dos Jerónimos e nos levará à fronteira, lá em cima, onde aconteceu aquilo
dos couraceiros austríacos que pretendiam levar o elefante ao arquiduque. Que o
itinerário é arbitrário, protestará o leitor, nós, porém, se no-lo permitem,
preferiremos chamar-lhe um dos inúmeros possíveis. Andaremos por fora dois dias
e do que neles se passar faremos relato. Quem vai? Vai a Fundação em peso, vão
mais uns poucos amigos fixes de Salomão, jornalistas portugueses e espanhóis,
tudo boa gente. Ficai em paz. Até ao nosso regresso, adeus, adeus.
José Saramago, O CADERNO
Sem comentários:
Enviar um comentário